2004-04-03

O VOTO EM BRANCO E A DEMOCRACIA QUE TEMOS...

Quanto mais não fosse, o livro de Saramago ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ já teve dois grandes méritos:

1 - Por gente que nunca falava do assunto, a falar e a opinar sobre o voto em branco e a qualidade da democracia que temos;

2 - Ver como afinal os políticos parlamentarizados de vários quadrantes se unem na defesa da abstracção democrática.

Há efectivamente muita coisa que tem de ser frontalmente questionada quanto às inegáveis deficiências da democracia que temos. Sendo que a primeira grande deficiência desta democracia é o seu crescente formalismo e a sua orientação ditada por subjugação ao poderio económico e a políticas restritivas das liberdades e direitos como é o caso da chamada "luta anti-terrorista".

A democracia que se vem formalizando e desqualificando com o passar dos anos tem vindo também a tornar-se inibidora da participação dos cidadãos, sendo que os níveis de abstenção eleitoral acabam por ser um sintoma do desinteresse com que os cidadãos olham para uma democracia que o é cada vez menos.

É também verdade que os partidos políticos, principalmente os mais atados aos jogos parlamentares, revelam-se incapazes de renovar o que quer que seja, até porque no seu interior a falta de qualidade da democracia também se verifica e, às vezes, em níveis maiores!

Coloca-se a questão: como qualificar a democracia?

Desde um ponto de vista socialista, a qualificação da democracia passa obrigatóriamente por uma maior socialização da política, da economia e da cultura. Ou seja, é fundamental que os cidadãos trabalhadores participem decidindo democráticamente em todos os níveis da sociedade.

A qualificação da democracia precisa pois de novos protagonistas, os quais com a sua participação, garantam efectiva mudança e novidade. É claro que os que têm contribuido para a desqualificação da democracia não podem ser protagonistas de nenhuma mudança.

A qualificação da democracia é também incompatível no quadro de um sistema liberal globalizado que se tem vindo a assumir como um novo totalitarismo se tivermos em conta o controlo que pretende garantir em matéria de liberdades, de direitos, mas também em termos económicos e militares (que acabam por andar muito ligados!).

Mais democracia passa por mais e maior participação dos cidadãos. Uma participação com capacidade de decisão permanente e não só formal. O que em termos organizativos não tem de passar sómente por partidos e por parlamentos. Tem também de descobrir novas formas de auto-organização e de institucionalização da democracia directa.

O voto em branco, a perpetuar-se o actual quadro de democracia formal e inibidora da participação cidadã, pode ser aceite como uma acção de protesto popular. No entanto, só por si, não mudará grande coisa se esse protesto popular não se organizar de modo a assumir-se como alternativa política e social ao que se contesta.