2003-10-10

Estaline: O terror anti-socialista >> A CRÍTICA DE UM LIBERTÁRIO

«A história e a cultura humana viva são terrivelmente actuais e cremos
nelas, mesmo quando em muitos foruns nos dizem que o movimento é tudo e o
fim não é nada. Que podemos conviver em todos os foruns , ainda que alguns,
nos seus fins, defendam no seu ADN a opressão.»

Olá João Pedro Freire,
Creio que existe aqui um problema, se é que eu percebi bem a frase final. É
que, se nós vamos a fóruns que têm como finalidade última (escondida, claro
está) de "limpar" o currículo de certos indivíduos que se atrelaram durante
demasiado tempo ao estalinismo e às suas práticas, e que, inclusive,
tendo-o repudiado de "boca", continuam com práticas típicas do estalinismo,
então estamos a facilitar o branqueamento desses indivíduos, grupos,
tendências, etc no seio do movimento social. A não ser que vamos lá com o
propósito deliberado de desmascarar os estalinismos e outros autoritarismos
mais ou menos encobertos, mas para isso ser possível, não pode ser uma ou
outra pessoa isolada em assembleias manipuladas por esses autoritários, tem
de ser uma actuação de colectivos autonoma e conscientemente
determinados... pelo que tenho ouvir dizer dos Fóruns sociais (Quer o
mundial em Porto Alegre, quer os regionais), muito pouco tem sido tentado
"por dentro", preferindo os grupos que não alinham com tais fóruns ou
ostracizar completamente ou realizar iniciativas em alternativa aos mesmos.
É o que se passa no caso da feira do livro anarquista de St.Ouen, Paris,
que irá ocorrer em paralelo, mas de forma totalmente independente do FS de
Paris.
Decididamente, estou convicto que é melhor abstermo-nos de nos somarmos a
certos fóruns, não por princípio, mas em consequência de uma análise
política coerente acerca do papel desempenhado por eles em certo contexto.
Não acho portanto que a adesão ao fórum social português, a sua
participação possa trazer alguma utilidade. Se estivéssemos em Florença ou
em Paris, não sei, talvez a análise das forças no terreno, nos permitisse
concluir da utilidade de uma opção contrária (o que duvido...). Aqui, em
Portugal, o fórum social português apenas representou a soma (sem efeito
potenciador aliàs) dos que já estavam coligados em múltiplas "frentes"
(refiro-me ao PCP e BE, pois o ATTAC é emanação de ambos).
Não conseguiram sequer encontrar uma continuidade de mobilização para o
movimento anti-guerra, tendo passado aqui a importante data de 27 de
Setembro, como se nada tivesse acontecido...
Provavelmente tu lamentarás que essas correntes autoritárias não tenham
força de mobilização. Eu penso que é preciso ir mais longe e ver esse
fracasso como aquilo que ele representa de "não-dito". O "não-dito" é que
tais mobilizações convêm (na óptica deles) para determinados fins de
propaganda partidária, ou de lutas pela hegemonização das "massas"; se as
instâncias de cúpula dos partidos interessados não virem interesse, se
virem riscos de fraca mobilização, ou se estiverem entre eles "de candeias
às avessas", as tais mobilizações não têm mesmo lugar, apesar de
formalmente ser possível convocatórias por instâncias não directamente
partidárias (sindicatos, assoc. cívicas, etc).
O estalinismo está inserido no quotidiano dos sindicatos, dos partidos e de
outras instâncias da "democracia" à portuguesa. Ao dizer isto, penso que
não estou a exagerar, porque o que verifico é a instrumentalização das
organizações colectivas dos trabalhadores e do povo, a velha prática de
usar associações de estudantes, sindicatos, associações culturais como
"correias de transmissão" de partidos. Tudo é decidido a nível de cúpulas.
Não há nenhum esforço de fazer com que a base se empenhe na discussão e na
tomada de decisão; pior... nem lhe é dada oportunidade!
Noutros países, embora o panorama seja bastante mau do lado dos partidos e
das estruturas que eles tentam hegemonizar, ainda assim tais
comportamtentos não se afirmam com tanto à vontade, com tanto descaramento:
por exemplo aqui,um sindicato decreta uma greve... a direcção dá "ordem" de
greve, não houve plenário(s), reuniões de delegado(s) e/ou outras reuniões
onde a base se pudesse pronunciar sobre a oportunidade ou sobre as
modalidades dessa acção, etc.. Assim, as greves ficam totalmente esvaziadas
de conteúdo real, são apenas um "contar de espingardas" e muitas vezes um
sacrifício totalmente inútil dos trabalhadores grevistas, pois -mesmo à
partida- não estavam reunidas as condições para que tais greves tivessem um
efeito benéfico para a satisfação das reívindicações. Isto é um exemplo
corriqueiro, que mostra que o autoritarismo (de origem estalinista em
muitos casos) está difundido na sociedade muito para além de pessoas,
grupos, facções ou partidos que guardam
uma nostalgia da era estaliniana. Chamo a isto o estalinismo "funcional". É
diferente do estalinismo ideológico, pois se acompanha muitas vezes de
"profissões de fé" anti-estalinistas, mas usando os mesmos estratagemas na
prática.
saudações libertárias,
Manuel Baptista