2003-10-11

Intervenção nas lutas laborais - Uma perspectiva anarco-sindicalista

Manuel Baptista é um dos animadores das ASSEMBLEIAS ANTI-CAPITALISTAS (Assembleias_anti-capitalistas@yahoogrupos.com.br) e também membro do colectivo A BATALHA. O texto que a seguir se publica é da sua autoria e está à discussão naquele forúm de discussão ASSEMBLEIAS ANTI-CAPITALISTAS.
TRIBUNA SOCIALISTA convida, através do seu blog, à participação de tod@s na apreciação e discussão de um contributo importante para uma intervenção libertária nas lutas laborais: Desde há cerca de 6 anos (desde 1997), tenho vindo a tentar participar
de forma mais activa e interveniente nas lutas laborais e do sector da
educação.
Não tem sido fácil, pela natureza e composição de classe dos docentes,
pela grande ideologização das tendências sindicais presentes no terreno,
e sobretudo, pela ausência de uma corrente claramente anarco-sindicalista
(ou sindicalista libertária ou sindicalista revolucionária, para mim, são
sinónimos)
no seio dos trabalhadores da educação e dos docentes em particular.

Há cerca de três anos, propus à Secção Portuguesa da AIT, considerar
apoiar um grupo chamado de Grupo de Acção Sindicalista, constituido
na altura, por mim próprio, pelo Damião, pela Emília e pela Manuela.
Éramos pessoas que já se conheciam e que tinham colaborado no seio
de uma Comissão de Defesa da Escola Pública (Nós não podíamos
continuar a colaborar com os outros membros dessa comissão, pois
eles -enquanto trotsquistas- tinham um comportamento demasiado
manipulador, centralizador e incapazes daquela lealdade fundamental
que nos permitisse trabalhar tod@s em grupo).
Para meu espanto, as pessoas com quem contactámos
mostraram-se pouco ou nada entusiastas em apoiar-nos.
O nosso trabalho teria de se desenvolver no seio de um sindicato
particularmente difícil (SPGL da FENPROF) por ser palco de lutas
pelas diversas facções partidárias que se digladiavam o seu controlo.
Em acordo, aliás, com os estatutos presentes da AIT, o que propúnhamos
era de constituir uma tendência anarco-sindicalista no seio desse
sindicato burocrático.
Claro que a concepção anarco-sindicalista (ou sindicalista revolucionária)
estaria em contradição profunda com as práticas sindicais dominantes;
porém, nós, internamente, podíamos regermo-nos pelos nossos
princípios (construirmos a nossa tendência, desenvolver o nosso
trabalho de forma autónoma).
A construção de tendências sindicalistas revolucionárias no interior
dos sindicatos burocráticos continua sendo de actualidade...
e cada vez mais.

Os libertários portugueses têm sofrido muita influência nefasta
de correntes individualistas, stirneristas em particular, que têm
como apanágio a recusa de qualquer trabalho sindical.
O trabalho sindical deveria ser totalmente assumido por
quaisquer de nós, libertários, quer estivessemos empregados, quer
no desemprego ou na reforma, ou a estudar...
É urgente demarcamo-nos da prática elitista vanguardista
que vê em tudo o que não seja "estar entre libertários",
fazer "festas libertárias", "manifs libertárias", um claro sintoma
de 'reformismo'.
Isso é mesmo absurdo, mas é assim que muitas pessoas
que aderem "intelectualmente" ao anarquismo vêm a coisa.
Eu penso que devemos estar organizados (e bem organizados)
entre nós, da maneira que nos pareça mais eficaz para difundir
a nossa propaganda, para dar a conhecer os nossos pontos
de vista, aprofundar as discussões sobre teoria, estratégia
e táctica...
Porém, por outro lado, nós devemos estar presentes em
todas as instâncias do movimento social, intervenientes
e participativos... claro que a participação individual é - no
limite - possível, mas nunca nos levará muito longe...
Por isso devemos tentar aplanar divergências, distinguir
o essencial do acessório e avançar com uma estratégia
concertada de intervenção sindical e social.

Proponho assim a criação de grupos de indivíduos
(que -individualmente- possam pertencer a sensibilidades
diversas do anarquismo social) que no essencial
desejem intervir nas lutas sociais e laborais, trabalhando
ao nível local e por sectores de actividade.

Por exemplo, temos massa crítica para fazermos
algo de consequente no sector da educação...
temos docentes, estudantes, funcionários não-
docentes em número largamente suficiente
para dinamizar uma intervenção com princípios
no meio escolar.
Talvez existam outros sectores de actividade
onde tenhamos também uma massa crítica
suficiente, se tal for assim, ainda melhor.
Mas, para já no sector da educação, temos
com certeza.

Podemos reunir em grupos de trabalho por
àreas geográficas, libertários da educação
no Grande Porto ou na Grande Lisboa,
etc... tentando centrar a intervenção
(seja de propaganda, seja de acção directa)
em torno de grandes eixos estratégicos
dos quais derivemos as tácticas mais apropriadas.

Por exemplo no sector da educação:

1- vamos combater a degradação da escola pública
encorajando todas as medidas no sentido da sua
defesa? (ou apenas algumas, e quais?)

2- vamos combater a precarização do vínculo
laboral, batendo-nos para que deixe de haver
cada vez mais trabalhadores da educação
sofrendo num gueto de trabalho precário,
logo super-explorado, durante anos (quando
não décadas a fio)?

3- Vamos avançar com experiências de
auto-ensino e auto-aprendizagem e
mesmo de criação de cooperativas
onde se possam desenvolver com
maior autonomia experiências próximas
dos nossos ideais de pedagogia libertária?

Enfim, apenas algumas questões pertinentes para
libertários do sector da educação reflectirem
e tomarem posição.

As organizações sindicais anarquistas e outras
(sindicalistas de base) deveriam ser convidadas
sem exclusões, nem exclusivismos, a nos apoiarem.
Devíamos agradecer todas as contribuições que
queiram dar... Os contactos que cada um de nós
tem vindo a estabelecer deveriam ser aproveitados
de forma construtiva e para fortalecer
uma dinâmica libertária no seio do movimento social.

Não devemos estar constantemente a queixarmo-
nos de que "somos poucos"... isso não é alibi para
não fazermos nada: temos é de aprender a fazer
as coisas à medida das nossas capacidades
(se fizermos uma analogia com a guerra, diremos
que é absurdo termos estratégia para um grande
exército com muitas divisões, quando apenas
constituímos um pequeno grupo de guerrilha)

Se somos poucos, temos de fazer o que nos
parece apropriado fazer à nossa dimensão.
Não devemos temer juntar as nossas forças
ao combate geral social. Devemos mantemo-nos
autónomos, ou seja, termos as nossas próprias
organizações, colectivos, redes etc... não estarmos
dependentes das iniciativas dos autoritários
para agir, mas também não recusar colaborar
com outros, não-libertários, em situações pontuais.

O que não podemos é continuar nesta terra,
sem fazer nada de verdadeiramente construtivo.

Abraços libertários,
Manuel Baptista

*agradeço a difusão mais ampla possível deste
texto, entre @s libertári@s*