2003-10-30

LULA : ANO UM DE GOVERNAÇÃO ...ESPERANÇA OU DESILUSÃO?

O Editorial do PUBLICO de 27 de Outubro e a coluna de opinião de Paulo Pedroso, no Jornal de Noticias de 28 de Outubro, convergiam no aplauso à chamada “moderação” de Lula Presidente por comparação com a “radicalidade” do Lula sindicalista.

Manuel Carvalho, do Público, considerava que Lula exclui qualquer “via revolucionária” e não anda aos gritos contra a Organização Mundial do Comércio.


Paulo Pedroso, deputado do PS, considera que “provavelmente” o caminho para um “Mundo mais justo” terá de ser percorrido estando-se simultaneamente em Porto Alegre (alusão ao Fórum Social Mundial) e em Davos (a cimeira do chamado G8).


A eleição de Lula foi, sem qualquer dúvida, um momento de grande esperança para milhões de brasileiros que sempre aspiraram a uma sociedade onde pudessem participar e decidir. A eleição de Lula foi também um sinal para toda a esquerda a nível internacional quanto à actual relação de forças, favorável aquelas que querem uma alternativa à globalização liberal-capitalista.


A afirmação política de Lula não foi construída durante o último acto eleitoral ou à custa da aliança que estabeleceu com alguns sectores políticos mais conservadores. Lula não andou anos e anos a clamar por “moderação” ou a apelar à conciliação do que é política e socialmente inconciliável.


O Lula combativo, o Lula sindicalista, o Lula militante fundador do Partido dos Trabalhadores, foi o Lula que conseguiu ganhar a confiança dos milhões de brasileiros trabalhadores, dos brasileiros sem terra, dos brasileiros das favelas, de todos aqueles para quem a “moderação” de Fernando Henrique Cardoso não foi resposta nem solução.



O programa de Lula contra a fome ou pelo direito de cada brasileiro a ter três refeições diárias é um programa muito concreto e simultaneamente muito objectivo quanto ao sinal que as suas políticas deveriam assumir.



Os milhões de brasileiros que votaram em Lula para uma mudança muito clara na sociedade brasileira e na vida de cada um, fizeram-no assumindo um imenso acto de coragem política.



Lula deverá no decurso da sua governação assumir igual coragem política aplicando políticas que possibilitem a realização integral do seu programa, apelando aos que o elegeram para que o apoiem contra previsíveis boicotes e sabotagens daqueles que sempre impediram que qualquer brasileiro tivesse direito a três refeições diárias.


No entanto, algumas políticas recentes de Lula levantam preocupação, já que representam alguma cedência às exigências clássicas do FMI e, desta forma, impedem a aplicação das necessárias políticas sociais e económicas de mudança.


Não deixa de ser sintomático e até mais uma repetição de exemplos que a História das governações de esquerda com políticas de direita regista, que a aplicação de políticas que seguem “de perto as recomendações do FMI” (Manuel Carvalho, do Público) suscitem oposição por parte da base social de apoio de Lula e, desde logo, aplausos daqueles que sempre viram em Lula um perigoso inimigo.


A aplicação de programas e políticas que pugnam por transformação social não têm nem devem seguir a lógica daqueles que não querem essa transformação social. Até porque não tem dado bons resultados. Paulo Pedroso deveria sabê-lo, já que fez parte de um dos tais governos formalmente de esquerda, mas com políticas de grande cedência aos lobbies financeiros nacionais. Deveria também sabê-lo, para o que bastava verificar quem se opôs e continua a opor a uma das poucas políticas de esquerda que o governo Guterres implementou, sendo autor o próprio Paulo Pedroso, o Rendimento Mínimo Garantido.


A esquerda para ser governo não tem de, sistematicamente, aplicar políticas de direita ou socorrer-se de modelos impostos pelas organizações liderantes da globalização liberal-capitalista.


A América do Sul é hoje um exemplo de duas realidades indesmentíveis e ligadas: por um lado, o fracasso sucessivo, país a país, das receitas do FMI, por outro lado, a grande iniciativa e capacidade de resposta por parte dos milhões de trabalhadores, de camponeses, de jovens, de desempregados que sentem na pele os efeitos do fracasso do FMI e a incapacidade política de sistemas caducos para darem qualquer resposta que não seja a continuação das crises anteriores.


Perguntem aos argentinos ou aos bolivianos o que é que eles pensam e querem!


Os milhões de argentinos e de bolivianos que lançaram uma autentica resposta social às consequências das políticas desastrosas do FMI e das burguesias nacionais, são os verdadeiros aliados do Presidente Lula se este quiser, de facto, aplicar o seu programa contra a fome .


Mas o Presidente Lula pode ser também mais uma desilusão com consequências terríveis para milhões de brasileiros, se não se conseguir livrar das cedências e dos compromissos que, parece, tem vindo a assumir com o FMI e com os que representam Davos .


O Presidente Lula também não se pode esquecer do partido que fundou e ajudou a crescer. O Partido dos Trabalhadores sempre foi um exemplo para a esquerda quando à capacidade de se conciliar num partido de massas, de esquerda e com uma orientação claramente socialista, uma clara e efectiva democracia interna onde sensibilidades e tendências diferentes agem sem se acotovelarem. É preocupante também as recentes notícias sobre o exercício de medidas administrativas repressivas contra militantes e tendências que têm criticado algumas políticas do governo do Presidente Lula. Nada que também não tenha acontecido em Portugal e no Partido Socialista, nas suas diversas experiências de governo formalmente de esquerda com políticas de direita!


A esquerda quando governo tem de aplicar programas e políticas de esquerda. Com uma clara orientação e sentido socialistas! Quem contribui para a eleição de governos de esquerda, apoiará políticas de esquerda com a mesma coragem com que elegeu esses governos. Os apelos à “moderação” ou a “inevitabilidade” do recurso a consensos com quem não quer mudança nem transformação, tem muito mais a ver com falta de coragem política, com medo de mudar e de transformar!