2003-10-18

Uma reflexão a propósito da Bolívia!

"Na Bolívia, que já era o paí­s mais pobre da América do Sul, o ultra-liberalismo da década de 90 agravou dramaticamente as condições de vida da maioria da população, constituída por cerca de 82% de í­ndios e mestiços. Segundo a CEPAL (Comissão Económica da ONU para a América Latina), entre 1982 e 2002, o rendimento "per capita" baixou 20% na Bolí­via, o desemprego duplicou e a desigualdade social "atingiu níveis sem precedentes"; 45,5% dos 8,5 milhões de bolivianos sobrevivem com menos de 450 dólares por ano e sofrem de subalimentação crónica, enquanto os 10% mais ricos açambarcam 37,2% do PIB - 50 vezes mais do que os 10% mais pobres. Um verdadeiro "genocidio social", denunciado pelas ONG e agências humanitárias. (in Expresso de 18 de Outubro)

E ... entretanto, a revolta popular dos mineiros, dos operários desempregados, dos camponeses e dos jovens bolivianos conseguiu a demissão do agora ex-Presidente Lozada que, por coincidência, se foi "exilar" nos EUA do seu amigo Bush!

A imprensa portuguesa e europeia continuam a apresentar a situação na Bolí­via, como apresentaram anteriormente outra situação similar na Argentina: muita preocupação pela "falta de resposta" das chamadas instituições democráticas e maior preocupação ainda pelo sentido que estas revoltas populares podem assumir. Um dos rostos do contra-poder (é o que de facto existe!) é Evo Morales, líder sindical e dirigente do Movimento para o Socialismo ...

Na Bolí­via assim como na Argentina, colapsou a receita de uma das instituições da globalização liberal: o FMI!

Juntamente com o colapso da receita económico-financeira, tem vindo também a colapsar o modelo de organização política que a globalização liberal quer impor INDISTINTAMENTE em todo o Mundo: um modelo baseado no crescente deficite na participação cidadã nas chamadas instituições democráticas e na vida de todos os dias. Particularmente os trabalhadores têm estado a ser relegados para um tipo de organização onde os deveres são tudo e os direitos passaram a ser nada ou então algo meramente formal. Não é só na Bolívia que o desemprego tem sido a solução do liberalismo para problemas de "falta de produtividade e de rentabilidade"...

É neste quadro que a revolta popular na Bolí­via com a criação de orgãos de democracia baseados na participação directa e geral, é um ACTO DE AFIRMAÇÃO DEMOCRÀTICA para além e representar a afirmação da capacidade dos trabalhadores e dos jovens para definirem uma modelo alternativo ao liberalismo dominante.

O liberalismo tem imposto um sistema onde os recursos planetários são geridos por meia dúzia de entidades privadas. A consequência política deste sistema é a "oferta" de uma democracia com direitos não só diminuídos mas também controlados por um autêntico "big brother" planetário. O liberalismo do século XXI é um modelo crescentemente totalitário assente na brutalidade da resposta militar da única super-potência existente!

"A reacção começou a germinar em 2000 com as mobilizações populares contra a privatização da água, sob o lema RECUPERAR A BOLÍVIA PARA OS BOLIVIANOS. O tema do gás converteu-se numa questão histórica de soberania nacional, porque é o último e o único recurso do paí­s. Todos os partidos foram apanhados de supresa, foram ultrapassados e reconhecem-no" (in Expresso dd 18 de Outubro)

Seria bom que estas palavras não caíssem em saco roto por cá! Por esta Europa onde continua a moda de um modelo liberal campeão das privatizações "a torto e a direito" e onde políticamente é também crescente o alheamento popular do único direito reconhecido que são os periódicos actos eleitorais para Parlamentos que nada resolvem!

Não se pede que sejam os políticos de direita a descobrirem soluções. Têm demonstrado que acabam sempre por descobrir soluções antigas, mesmo que recauchutadas! Exige-se é que os dirigentes dos partidos à esquerda não afinem os seus programas, as suas políticas e as suas acções por diapasões onde as abstracções acabam por ser também a insistência em modelos que já provaram a sua falência! Enquanto durararem as incertezas e as indefinições polí­ticas aumentará também o aparecimento daqueles que voltarão a propor o recurso a novos autoritarismos mesmo que populistas. Do tipo Manuel Monteiro ou Paulo Portas ou então com o recurso à ressurreição de algum caudilhismo, militar ou não!

A irresponsabilidade não está do lado de quem quer apontar alternativas! Ela está do lado de quem quer persistir em situações que já provaram que não levam a nada, nem resolvem nada de nada!

A democracia do liberalismo e o liberalismo não são solução! Na Bolí­via como na Argentina, os trabalhadores e os jovens têm demonstrado que sabem criar democracia em toda a sua plenitude e sabem qual é a alternativa ao liberalismo! E não estão tão longe quanto pensamos...

Todos os movimentos populares de afirmação social e polí­tica alternativos devem demonstrar capacidade de coordenação para a definição de uma alternativa internacional de afirmação socialista, democrática e libertária ao liberalismo imposto por Bush, pelo FMI e pela OMC!