2003-11-03

OLHAR PARA A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 SITUANDO-NOS NO SÉC. XXI

A Revolução Russa de 1917 é um tema que continua polémico no seio das esquerdas nos planos internacional e nacional.

São poucas as tendências e poucos os militantes que aceitam um debate aberto e sem preconceitos de qualquer espécie. Um debate que olhe a Revolução Russa de 1917 com olhos de quem está, neste século XXI, perante uma clara globalização capitalista e com um movimento popular que se lhe opõe que se pode considerar como sem precedentes na História.

Coincidindo com mais um aniversário sobre essa grande Revolução, decorrerá mais um Fórum Social Europeu, em Paris, entre 12 e 16 de Novembro.

Separados por quase um século de distância, os dois acontecimentos motivam uma questão: como teria evoluído o processo revolucionário iniciado em 1917 se, nessa época, existisse um movimento mundial como o Fórum Social Mundial? Ou como se comportaria o FSM se hoje se desencadeasse um processo revolucionário com as mesmas características que aquele que foi iniciado pelo partido de Lenine e de Trotsky?

A Revolução Bolchevique é um dos acontecimentos mais importantes ocorridos no século XX. Pela primeira vez na História, uma revolução de sentido claramente socialista venceu. Uma conquista que os principais dirigentes do Partido dos Bolcheviques fizeram questão de associar a todo o proletariado mundial. O destino do proletariado mundial faria depender o destino da revolução russa!

Ligado ou não ao destino do proletariado mundial, o certo é que a revolução russa de 1917 veio a evoluir para uma das formas mais monstruosas de totalitarismo burocrático e policial. A imagem desse totalitarismo é José Estaline. A Estaline fica ligado o processo de deformação da revolução russa e também a conivência activa nas derrotas de diversos processos revolucionários, de que são exemplos mais conhecidos, Espanha e a Alemanha.

Importa por isto, analisar, debater e concluir sobre as origens desse processo de deformação totalitária e burocrática. Como começou e porquê? Como poderia ter sido evitado nos nossos dias?

Mas como revolução triunfante de sentido socialista, o debate também deve passar pelo processo que conduziu ao triunfo do partido bolchevique. Como estava organizado e, sobretudo, qual a ligação ao movimento dos trabalhadores e qual a sua representatividade. Sendo certo que a questão da representatividade não tem de ser aferida, segundo critérios baseados nas democracias ocidentais, tal como as conhecemos. Afinal qual a verdadeira representatividade de forças políticas integradas em sistemas que têm gerado crescente abstencionismo eleitoral depois de terem contribuído para que a decisão política seja, cada vez mais, privilégio de uns quantos.

O que possibilitou o triunfo da Revolução de 1917 contra um regime parlamentar (de Kerensky) que nada de nada resolvia (pese embora a lógica parlamentar que “legitimava” esse regime!) por comparação com as revoltas populares na Argentina ou na Bolívia que acabam por ser absorvidas e integradas pelos e nos regimes que contestavam?

Por si só as massas trabalhadoras e populares podem conduzir com êxito um dado processo revolucionário? Ou será que, em cada momento desse processo revolucionário, faz falta uma direcção revolucionária que consiga dar um sentido à espontaneidade do movimento popular? Mas será que essa direcção revolucionária se pode reduzir ao “partido revolucionário” ou antes tem a ver com formas de organização e de coordenação nas quais convergem partidos, sindicatos, organizações de base e militantes revolucionários?

O movimento internacional anti-globalização capitalista é um movimento tão plural quanto política e ideologicamente difuso. É um movimento que contesta, opõe-se, mas é incapaz de se afirmar por qualquer coisa, para além da oposição ao capitalismo, também esta altamente confusa. Não é um movimento revolucionário, nem sequer um movimento que conseguiria sobreviver a uma situação revolucionária. No entanto, é um movimento extremamente importante na formação de uma consciência anti-capitalista, nacional e internacionalmente.

Um movimento deste tipo, teria sido de uma importância decisiva para o apoio à Revolução Russa ou às Revoluções Alemã ou no Estado Espanhol. Muito mais importante e decisivo que o papel contra-revolucionário e adaptado aos jogos diplomáticos que interessavam, na altura, à burocracia estalinista e à sua correia-de-transmissão em que se tornou a III Internacional.

Na era da globalização capitalista, a definição de uma alternativa anti-capitalista tem de ter uma forma e um conteúdo que seja percebido e capaz de mobilizar de um modo afirmativo. Mais do que “um outro Mundo é possível” ou que estamos todos por um “Mundo melhor”, mais do que estas abstracções que conseguem unir capitalistas e anti-capitalistas, embora nunca os unindo (!!), é explicar o Socialismo como a única alternativa que nunca antes foi realizada, já que necessita da dimensão internacional para o conseguir!

O Socialismo numa perspectiva libertária, democrática e revolucionária que o diferencie das aberrações históricas acontecidas e o faça retornar ao seu programa original. O Socialismo que em cada momento reafirme que a democracia é tão necessária ao seu desenvolvimento e afirmação, como o oxigénio o é para o corpo humano!

A Revolução de 1917 foi libertária, democrática e revolucionária. Nunca como nesse momento, as massas trabalhadoras e cada militante revolucionário teve tanta liberdade e capacidade para afirmar a sua iniciativa criadora de algo alternativo. Bolcheviques, socialistas revolucionários, anarquistas ... fizeram a revolução triunfar!

Será que a manutenção deste ambiente de convivência revolucionária na diversidade não teria dado maior capacidade à nova sociedade soviética para resistir simultaneamente às ameaças imperialistas externas e às ameaças totalitárias e burocráticas internas?

A alternativa socialista à globalização capitalista precisa, hoje mais do que nunca, de uma organização internacional que saiba coordenar e dar afirmação política ao movimento anti-globalização capitalista. É também uma organização vital para organização o apoio a movimentos populares que se afirmam em situações revolucionárias como as que aconteceram recentemente na Argentina ou na Bolívia.

Sem essa organização internacional é impensável o êxito de uma alternativa à globalização liberal. A não ser que se pretenda, como a “Internacional Socialista”, que surja uma “alternativa” do diálogo entre Porto Alegre e Davos....

Mas essa organização socialista internacional não pode ser a cópia das Internacionais que falharam e continuam a falhar, como a I, a II, a III , a IV e até a II e ½...

Essa organização deve partir da capacidade de unidade na diversidade entre tendências e correntes socialistas que rejeitem o reformismo, o esquerdismo, o autoritarismo e qualquer forma de totalitarismos.

Estas são algumas interrogações e reflexões para tentar compreender Outubro de 1917 com olhos de que sem vê e sente a necessidade de uma alternativa socialista libertária, democrática e revolucionária à globalização liberal-capitalista dos nossos dias deste século XXI!