2003-11-04

OUTRA VISÃO SOBRE A REVOLUÇÃO DE 1917!

Texto enviado por MANUEL BAPTISTA, da Assembleia Anti-Capitalista e do Colectivo A BATALHA.

Todos os contributos para o debate numa perspectiva socialista, são estimulantes!

Olá João Pedro Freire e restantes companheir@s
da Assembleia Anti-capitalista,

Li com atenção o artigo abaixo do "Tribuna Socialista".
Estou de acordo que a Revolução russa de 1917 foi
muito importante.
[Ela incluiu, poucas pessoas sabem isso, destacamentos
anarquistas no assalto ao Palácio de Inverno.]
Muitas pessoas, mercê da reescrita da história feita
pelos vencedores, pensam que foi uma revolução bolchevique.
Não há dúvida que participaram nela muitas correntes
que se agrupavam nos então legais soviets, os quais desde
Fevereiro, tinham surgido à luz do dia e funcionavam como
um misto de sindicatos, de clubes revolucionários e de
assembleias comunais.
Lenine teve a esperteza de reunir o grosso do proletariado
mais combativo por de trás do slogan "Todo o poder aos
sovietes". Tinham os bolcheviques a inteligência para perceberem
que se não tivessem como principais bandeiras o fim da guerra e
a
reivindicação da terra a quem a trabalhava, ou seja aos
camponeses
pobres, não teriam qualquer hipótese de serem bem sucedidos.
Infelizmente, uma vez tomado o poder, logo decidiram liquidar
qualquer veleidade de organização autónoma (incluindo os
soviets),
fecharam a assembleia constituinte e transformando os próprios
sovietes, esse embrião de democracia proletária, numa farsa...
Em Portugal, como em muitos outros países, o proletariado e os
sindicalistas viram com extrema simpatia os acontecimentos de
Outubro de 1917, mas a partir de determinada altura, os
sindicalistas perceberam que o regime instaurado era uma férea
ditadura burocrática, que não hesitava em eliminar, assassinando
ou pondo na prisão vários revolucionários (anarquistas e
socialistas revolucionários, nomeadamente), que fechavam todos
os órgãos de imprensa não subodinados ao poder bolchevique, que
perseguiam o movimento das comunas anarquistas insurrectas da
Ucrânia (Machnovichina) que se tinha batido contra os
nacionalistas, contra os invasores alemães, contra os exércitos
russos-brancos e, por fim, o massacre do soviet de Kronstadt (um
dos locais de onde partiu a revolução de Outubro; ver o filme de
Eisenstein "O Couraçado Potemkine"): Os anarquistas e
anarco-sindicalistas convidados por Lenine para as reuniões da
IIIª Internacional, viram com os seus próprios olhos a
burocratização galopante do novo poder, a sua ausência total de
escrúpulos em esmagar de forma violenta tudo o que não fosse
bolchevique. Isso determinou a recusa dos sindicatos
anarco-sindicalistas de se juntarem à "Internacional Sindical
Vermelha", um ramo da IIIª Internacional. Os
anarco-sindicalistas, reunidos em Dezembro de 22, Janeiro de 23,
em Berlim, fizeram a reproclamação da AIT (A Iª Internacional).
Entre eles, os portugueses da CGT, que na altura contava com
mais de 60 000 associados e mais de uma centena de sindicatos.
Os sindicalistas que entretanto tinham fundado partidos
comunistas, começaram a organizar fracções, por ordem da IIIª
Internacional, dentro dos sindicatos. Assim uma meia dúzia de
sindicatos da CGT rompeu com esta e criou aquilo que (já na
altura) foi designado como "Intersindical" (meia dúzia de
sindicatos controlados por elementos do recém formado PCP).
Essa acção divisionista também ocorreu noutros países.
O vanguardismo, dogmatismo e idolatria do poder não podem ser
atribuídos exclusivamente a uma qualquer "monstruosidade" do
sucessor de lenine, Estaline, sob pena de se escamotear a
verdade histórica.
Na verdade, todo o aparelho do partido bolchevique se inspira na
hierarquia militar, com uma organização piramidal. Assim, o
regime dito "sovietico", na verdade a ditadura do partido
bolchevique, poderia ter sido um pouco mais "branda" ou não mas
não poderia dar noutra coisa.
A lição que se pode tirar hoje é que não podemos sonhar em
instaurar um socialismo verdadeiro usando métodos que se
traduzem em opressão, repressão, tomada do poder, "conversão" da
máquina do estado ao serviço do capitalismo privado, numa
máquina ao serviço do capitalismo de estado.
Temos de aprender com a história, ver que não há "verdade
científica" em política ou em sociologia (eu acho mesmo que a
própria economia está muito longe de ter um estatuto de
verdadeira ciência), o que não retira nenhuma legitimidade ética
ao socialismo, construindo colectivamente uma sociedade que se
reja pelo máximo de liberdade, de igualdade e fraternidade, o
que apenas é possível com a expropriação dos possidentes, dos
poderosos. Tão-pouco é possível construir um "estado
proletário", na realidade, constroí-se uma imensa máquina
burocrática, que faz funcionar um regime económico e político
despótico, o capitalismo de estado.
Muitas são as vias abertas para o socialismo no século XXI:
é necessário que os socialistas sinceros (uso o termo socialista
no sentido mais lato, incluindo nele os libertários) deixem de
viver apegados a esquemas mentais do século XIX ou XX, que
tenham a coragem de defender -até ao fim e com coerência entre
as palavras e a prática- os princípios socialistas.
Manuel Baptista