2003-11-08

Alvaro Cunhal e o Mundo de Hoje

O texto de Álvaro Cunhal saído na edição de 06 de Novembro do Avante, não acrescenta nada de novo ao habitual discurso do PCP.

O que se passa, é que continua a pertencer a Álvaro Cunhal o esforço de reflexão sobre a realidade actual, entre os comunistas portugueses. Álvaro Cunhal aos 90 anos continua a ser um militante comunista que analisa e produz análises colocando-as à discussão. A actual direcção do PCP tem produzido mais medidas de repressão administrativa que documentos para discussão sobre a realidade actual.

No entanto, o texto "O Mundo de Hoje" de Álvaro Cunhal, ao contrário do que alguma imprensa quis ver, não introduz nenhuma alteração ao discurso do PCP, que continua a ser estalinista na sua concepção ideológica e excessivamente preso aos glórios tempos da URSS brejneviana, ou seja, incapaz de se libertar dessa autêntica prisão temporal.

Para se criticar politicamente Álvaro Cunhal, não á preciso lembrar o respeito que este comunista deve merecer por parte de qualquer militante de esquerda. É observando esse respeito que se critica frontal e construtivamente! Uma critica que tem por referência o marxismo e o património histórico do movimento operário e socialista, nacional e internacionalmente considerado.

Tal como Álvaro Cunhal, também somos de opinião que a Revolução russa de 1917 marcou decisivamente o século passado, já que foi o primeiro acto revolucionário de sentido socialista triunfante estabelecendo o poder político das classes anteriormente exploradas.

O triunfo da revolução bolchevique abriu as portas para um processo de transformação socialista na Rússia. Só que Álvaro Cunhal, ao contrário do que estabeleceram os bolcheviques, não fala sobre um aspecto fundamental e estratégico estabelecido por Lenine e Trotsky e que era a ligação do êxito futuro da revolução bolchevique ao êxito dos processos revolucionários nos países europeus mais desenvolvidos. Cunhal volta a revelar uma visão muito nacionalista, estalinista, sobre a construção do socialismo na União Soviética. Fala abstractamente sobre "outras revoluções socialistas vitoriosas" sem dizer quais e onde e acaba por contentar-se por "os trabalhadores em países capitalistas conquistaram importantes direitos.

Com o triunfo da revolução de 1917, os bolcheviques apostaram sempre na Revolução Socialista a nível internacional. Só com o triunfo desta, o êxito estaria assegurado na Rússia. E isso foi o que se viu durante o período da guerra civil na Rússia e com a derrota da revolução alemã! Bem cedo, as condições internacionais de não êxito de outros processos revolucionários condicionou de uma forma decisiva e negativa a evolução do processo revolucionário na Rússia.

Álvaro Cunhal reconhece as "tendências crescentes nos países socialistas, nomeadamente na União Soviética, para a centralização e burocratização do poder e para a estagnação". Mas mais uma vez fala no abstracto. E no abstracto porque fala de países socialistas relativamente a países que não sugiram como consequência da Revolução de 1917, mas como consequência das manobras diplomáticas da União Soviética de Estaline no seu jogo diplomático entre as superpotências saídas do pós-guerra mundial, início da chamada guerra fria. Nesses países socialistas não aconteceram processos revolucionários, mas antes hábeis manobras dos partidos correias-de-transmissão de Estaline e do seu Comintern, não para a instauração de saudáveis democracias operárias, mas para a imposição de regimes caracterizados, logo à nascença, pelo partido único, pela inexistência de direitos democráticos e sociais, autênticos países fortaleza para a protecção dos interesses de Estaline.

No período anterior, durante a guerra civil no Estado Espanhol, também não é falado, nem comentado, nem analisado o papel absolutamente contra-revolucionário e policial que a União Soviética teve, contribuindo de uma forma trágica para o resultado conhecido da guerra civil espanhola.

Falar em "centralização" e em "burocratização" sem reconhecer as causas para o aparecimento desses processos, significa que só se fala por falar, para ficar tudo na mesma quanto ao discurso que se (man)tém.

As três “razões" invocadas por Álvaro Cunhal para o triunfo do capitalismo na segunda metade do século XX - capacidade de desenvolvimento das forças produtivas por parte do capitalismo; grande capacidade financeira, económica, política e militar por parte dos EUA; burocratização e estagnação dos países socialistas - são novamente provas evidentes de que as referências anti-marxistas de Estaline continuam presentes no discurso de Cunhal. Porque razão é que a URSS entrou num processo acelerado de burocratização e estagnação? Será que soube sempre apoiar todos os processos que significassem desenvolvimento da revolução mundial? Porque razão Estaline acabou com a Internacional Comunista, depois de a ter reduzido a uma máquina de correias-de-transmissão? Porque razão a influência da URSS estalinista e brejneviana significou para os processos de libertação nacional no mundo colonial implantação de burocracias totalitárias incapazes de fazer o que quer que fosse? Porque razão é que a URSS brejneviana reduziu a sua acção externa a jogos diplomáticos e de espionagem e contra-espionagem ... onde ficou a visão internacionalista de Lenine?

O Mundo de hoje tem, de facto, grandes potencialidades para o desenvolvimento de uma consciência política internacional de sentido anti-capitalista e socialista. O movimento anti-globalização liberal tem-se desenvolvido de uma forma espontânea perante o qual os partidos comunistas (não falando nos social-democratas!) se limitam a ter uma acção seguidista ... se não quiserem perder, para sempre, o comboio! Porque os Partidos Comunistas limitam-se aos jogos parlamentares, porque deixaram de saber estar no movimento operário respeitando a sua pluralidade, porque a visão que continuam a ter do Mundo é ainda baseada em jogos diplomáticos com uma nostalgia profunda desse colosso burocrático em que se tornou a União Soviética.

Como podem os trabalhadores de todo o Mundo aceitar que países como a China, a Coreia do Norte, o Vietname, o Laos ou Cuba continuam a ter como objectivo a construção da sociedade socialista? Só não se sabendo qual o Mundo de hoje é que se pode fazer uma afirmação destas!
Esses países não são socialistas, são regimes totalitários, burocráticos e policiais. Regimes perante os quais o movimento anti-globalização liberal tem tido também acções de crítica e de denúncia!

Os militantes comunistas, tal como os socialistas, são parte integrante e imprescindível na luta nacional e internacional contra o capitalismo. Nos nossos dias, estão novamente na ordem do dia a necessidade de uma alternativa socialista internacional que saiba coordenar todas as lutas nacionais e internacionais contra a globalização capitalista.

Mas ao contrário de Álvaro Cunhal, é preciso, imperioso, sabermos aprender com aquilo que a História nos ensina. E hoje há força suficiente para se perceber que o socialismo para se afirmar e desenvolver precisa de democracia, como o corpo humano precisa de oxigénio. A crítica ao capitalismo, entendido como um sistema que é também crescentemente totalitário e militarizado, não pode dispensar a crítica ao totalitarismos que se continuam a pintar com cores socialistas.

A repetição de erros passados teria consequências trágicas para toda a Humanidade. Álvaro Cunhal com os seus 90 anos de vida de luta e militância deve saber isto muito melhor que nós!

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Gostava de Ler um Texto seu sobre a Crise e Estagnação da Economia nos dias de Hoje provocados pelo Capitalismo Selvático e que vão de encontro ao que Álvaro Cunhal já tinha "Profetizado" à 20 anos.

18 de junho de 2009 às 11:26  

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