2003-12-14

A revista ACTUAL do Expresso de 13 de Dezembro, incluía uma entrevista interessante com o Pedro Abrunhosa. A entrevista aborda diversos temas como o Euro 2004, a política cultural (que não existe nem nunca existiu: existe, isso sim, uma política que promove a desertificação cultural!) de Rui Rio na Câmara do Porto ou a “limpeza” que a mesma Câmara tem imposto aos chamados arrumadores de rua de uma forma que, a qualquer um tal como ao Pedro Abrunhosa, provoca arrepios ainda por cima com uma campanha que é, de facto, macabra.

Sem ser um “diletante da política”, Pedro Abrunhosa mantém um discurso político claro que revela que a intervenção política também existe e num sentido bem definido, com o qual estamos de acordo.

Seleccionamos esta parte:
Expresso: As preocupações políticas que tem demonstrado não o conduzem a uma acção política mais concreta?
Tenho sido equidistante dos partidos. Não quero aproveitamento partidário.

Expresso: Não quer que se aproveitem de si?
Exactamente. Como a política cívica é feita nos quadros partidários e qualquer actividade política é cerceada ao cidadão, não é possível aprofundar as questões. Porque ou me deixo engolir pela máquina partidária ou continuo a ser eu, a ter a minha voz e a minha postura. Acredito que o futuro do país passa por um alternativa de esquerda que resulte da convergência das maiores forças da oposição. Tem sido o PS a obstruí-la, depois do 11 de Novembro de 75, ou o PCP, por razões que se prendem com a antiga direcção. Agora temos o Bloco de Esquerda. O PSD percebeu que é melhor ter um elefante dentro de portas do que tê-lo na loja de porcelana. E de facto foi uma jogada inteligente, conferiu-lhes maioria. A esquerda tem de aprender com isto. Porque estamos lamentavelmente à direita e temos o Governo mais à direita que já tivemos – com uma política doentiamente neoliberal. Estou plenamente de acordo com o Francisco Louçã. Esta política de educação tem sido lamentável. Mas também tem sido em relação à saúde, que cada vez mais é um luxo, quando na verdade é um direito constitucional. Só falta privatizar a justiça. Aquilo que são as grandes vertentes da coesão política nacional para melhorar a qualidade de vida dos portugueses estão agora entregues ao tal neoliberalismo desenfreado que a mim me preocupa. O fosso social que se está a criar vai originar um conflito grave. A velha máxima “tomemos conta dos pobres antes que os pobres tomem conta de nós” começa a fazer sentido. A situação é assustadora.

Na PÚBLICA (a revista de Domingo do Público) de 14 de Dezembro, um artigo não passa despercebido. Com o título UCRÂNIA: MORTOS À FOME POR DECISÃO DE ESTALINE, o artigo relembra porque razão qualquer socialista não é estalinista e porque razão a deformação estalinista da revolução de 1917 constituiu uma das maiores monstruosidades totalitárias que a História regista. Confundir o estalinismo com o socialismo só pode servir a todos aqueles que nunca foram socialistas ou então áqueles que continuam a precisar de uma monstruosidade para perpetuarem a realidade não menos monstruosa do liberalismo e do capitalismo.

Ficam três passagens do referido artigo.
A primeira : (...) Na Ucrânia os camponeses resistiam à colectivização forçada da agricultura, iniciada em 1929. Membros do Partido Comunista local contestavam os “diktats” de Moscovo, até por eles considerados excessivos. Estaline andava, de facto, obcecado com o receio de perder aquela república, como prova a carta que, em Setembro de 1932, escreveu a um dos principais homens de mão. Lazar Kaganovitch: “(...) O grande problema agora é a Ucrânia, onde as coisas vão muito mal. Mal do ponto de vista da linha do Partido. (...) Isto (o PC ucraniano) não é um partido, mas sim um parlamento (...) Se não corrigirmos a situação podemos perder a Ucrânia (...) Ficas com a tarefa de tornar a Ucrânia uma fortaleza da URSS nomais curto espaço de tempo possível. Não te importes com o dinheiro necessário para este objectivo”.
O “pai dos povos” também encontrara uma “solução final”. No caso para aniquilar eventuais aspirações independentistas. E nas terras da União , nesta segunda década do século XX, Estaline dava como certo que eram os camponeses, sobretudo os ucranianos, que constituíam a linha da frente dos nacionalismos.”

A segunda : (...) Alguns ucranianos descrevem o que se passou como um “holocausto esquecido”. Muggeridge já o tinha adivinhado em 1933: “Estou convencido que aquilo que os bolcheviques fizeram às aldeias é um dos mais monstruosos crimes da história, tão terrível que no futuro as pessoas só muito dificilmente acreditarão que tal aconteceu”. Mas as razões para o esquecimento parecem ter sido outras. Na altura, os Governos ocidentais souberam o que se estava a passar, mas optaram por calar-se: a emergência de Hitler fazia de Estaline um eventual aliado. Já no que às opiniões públicas diz respeito, a morte em massa dos ucranianos tornou-se mais um elemento da guerra de propaganda Leste-Oeste.

A terceira: “Querido irmão, ficámos muito contentes por receber um carta tua. A mãe e eu temos uma vida muito dura. A mãe está tão magra e fraca que mal consegue andar, e nós andamos de manhã à noite de uma herdade colectiva para outra, mas eles mandam-nos embora e não nos dão trabalho. As pernas da mãe começaram a inchar e fico muito triste quando penso que em breve ficarei só. As minhas pernas ainda não começaram a inchar, mas doem (...) Quando começar a ficar mais frio e a neve cobrir o solo não restará um só grão para nos manter vivos no Inverno. Mesmo agora temos já tanta fome que, por vezes, desmaio. Peço-te, querido irmão, para nos mandares um pedaço de pão se tiveres dinheiro para o comprar. Não importa se for muito pequeno ou estiver queimado. Nós comemo-lo porque a mãe e eu estamos com tanta fome (...)”. (carta recebida por Mykola Shtefan, que trabalhava clandestino nos caminhos de ferro. Quando chegou à aldeia, a mãe e o irmão tinham morrido. Ninguém lhe soube dizer em que vala comum estavam).