2003-12-07

SERÁ QUE OS DIRIGENTES DAS ESQUERDAS NÃO QUEREM SER ALTERNATIVA À DIREITA?

Na edição do Público de 03 do corrente mês, uma notícia chamava a atenção pelo seu título ENTENDIMENTO ENTRE O PS E PCP SOBRE CÓDIGO DO TRABALHO.

Para qualquer um que procure, o mais rápido possível, uma alternativa de esquerda ao actual governo de direita, o título convida a uma leitura atenta da notícia. Da leitura dessa notícias e de outras que descobrimos, surgem motivos de esperança e motivos de desalento.

1 – MOTIVOS DE ESPERANÇA

“ O PS e o PCP admitem entendimentos parlamentares para suscitar a fiscalização sucessiva da constitucionalidade dos futuros decretos regulamentares do novo Código do Trabalho” (in Público de 03 de Dezembro))

“ Ontem, após a audiência, Ferro e Carvalhas salientaram visões comuns sobre o andamento da economia nacional” (in Público de 03 de Dezembro)

2 – MOTIVO DE DESALENTO

“Ferro Rodrigues foi porém mais regrado do que Carlos Carvalhas quanto à possibilidade desse entendimento ...” (in Público de 03 de Dezembro)

3 – OUTRO MOTIVO DE DESALENTO
“Louçã anunciou também que caso venha a ser esse o candidato socialista (i.e.António Guterres) o campo político que o Bloco de Esquerda representa necessariamente far-se-á representar com o seu candidato” (in Público de 06 de Dezembro)

4 –MAIS UM MOTIVO DE DESALENTO

“ Renovadores Comunistas: Carlos Brito desaprova frente de Esquerda” (in, Jornal de Notícias de 07 de Dezembro)

3 – O COMENTÁRIO DO TRIBUNA SOCIALISTA

Uma alternativa de esquerda não é impossível. Embora nunca tenha sido experimentada no nosso País, mesmo no PREC. Os governos provisórios não foram obviamente governos de esquerda. Eram uma espécie de governos com políticas que se anulavam devido à composição algo contraditória desses governos. O que é que pode resultar de um governo em que se misturam o PS, o PCP e o PPD?

Uma alternativa de esquerda não é só um slogan, uma consigna. É algo de concreto e que precisa do concreto para se poder definir.

Uma alternativa de esquerda ao actual governo Durão e Portas precisa do contributo, antes de mais, do PS, do PCP e do Bloco de Esquerda. As forças parlamentares de esquerda. Como precisará também do contributo e da adesão dos trabalhadores e cidadãos de esquerda e também doutras organizações e das suas experiências.

Uma alternativa de esquerda não é um simples somatório de votos. Tem de ser muito mais. Tem de ser uma força política plural e convergente capaz definir, aplicar e realizar programas e políticas de transformação e mudança social, política, económica e cultural. Num sentido democrático e socialista!

Infelizmente os movimentos sociais e as lutas laborais têm andado mais à frente, na vontade e na forma que exibem, que as direcções dos partidos parlamentares de esquerda. Infelizmente porque a unidade que os trabalhadores conseguem nas suas acções do dia-a-dia não tem qualquer relação com a “clubite” que tem caracterizado a acção de qualquer um dos partidos de esquerda com assento parlamentar. Sem excepção!

É claro que é motivo de esperança qualquer reunião que as direcções do PS e do PCP consigam fazer. Vencendo o “clubismo” que tem caracterizado a relação entre ambas as direcções. O que se diz destes partidos também se poderia dizer em relação à direcção do Bloco de Esquerda. E em relação a esta poder-se-ia acrescentar que tem sido muito rápida a adaptação ao que de pior tem o parlamentarismo!

Ao contrário da direita que consegue unir-se, apesar das suas diferenças, a esquerda parece ter sistematicamente medo de se unir. E é preciso que se refira que será muito difícil qualquer vitória da esquerda perante um governo de unidade da direita.

É um completo irrealismo a pretensão de Ferro Rodrigues, manifestada há dias, de pretender para as próximas eleições a maioria absoluta para o Partido Socialista. Uma posição que é tomada sem a consulta prévia aos militantes do seu Partido, ainda por cima depois da tomada de posição de Manuel Alegre apelando – correctamente ! – à convocação de um Congresso Extraordinário do PS.

A posição do Bloco de Esquerda (BE), ou melhor, da troikaPSR, UDP e Política XXI – que dirige o BE, é uma posição que revela um profundo sectarismo, para além de demonstrar que os dirigentes bloquistas não aprendem com a História recente. O que está em causa nas eleições presidenciais, é também um orgão do Estado que nunca conheceu a vitória de qualquer candidato apoiado pela direita. Não que os candidatos eleitos tenham recebido o apoio formal, convergente e organizado das direcções dos partidos de esquerda. Mas em todas as eleições o chamado povo de esquerda conseguiu demonstrar muito mais lucidez e capacidade de resposta à direita do que as direcções partidárias da esquerda, fazendo convergir os seus votos.
Tal como aconteceu com Mário Soares, também com António Guterres (se for efectivamente este o socialista a avançar...), será um militante socialista aquele que estará mais bem posicionado para impedir que a direita eleja, pela primeira vez, o seu candidato único. E no apoio convergente do povo de esquerda a António Guterres não estará, em nenhum momento, qualquer adesão às políticas de direita que o governo de Guterres realizou, tal como não esteve também no tempo de Mário Soares.

Os principais dirigentes do BE ao mesmo tempo que revelam tiques de quem se adaptou rapidamente à vida parlamentar, demonstram também que adoptaram o “clubismo” como forma de fazer política. Quando se auto-intitulam como a “esquerda necessária”, os dirigentes do BE copiam o que de pior já nos foi dado e mostrado pelos dirigentes do PS e do PCP: não contribuem nem parece que queiram trabalhar para a definição de uma alternativa de esquerda ao governo de direita!

Todos os dirigentes das esquerdas deveriam aprender com o que a direita faz para conseguir posições que lhe permitam dar cabo de tudo o que cheire a 25 de Abril e a conquistas sociais. Unem-se quando se trata de governo, unem-se quando se trata de presidenciais!

Os dirigentes da esquerda falam, cada um para seu lado, em luta contra a direita, mas depois quase que não conseguem falar entre si.

E num momento em que há uma ofensiva generalizada do liberalismo a nível internacional com ramificações nos planos nacionais (sendo o governo de Durão Barroso um exemplo, como é o de Aznar ou o de Berlusconni) é lamentável que as esquerdas não se consigam por de acordo para respostas políticas comuns, apesar dos seus militantes trabalhadores e jovens passarem a vida a demonstrar no dia-a-dia como é que isso é possível.

Uma alternativa de esquerda em Portugal seria uma experiência única depois do 25 de Abril de 1974. Com programas e políticas de transformação social, política e económica teria, de certeza, um efeito mobilizador não só por parte dos trabalhadores e jovens, como da parte das chamadas classes médias urbanas.


Para uma alternativa de esquerda, todas as esquerdas são esquerdas necessárias!!

João P. Freire