2004-06-22

A Europa Social continua adiada …Por cá, há condições mas falta uma alternativa!

As eleições europeias de 13 de Junho mostraram que os povos europeus continuam a não dar grande importância à chamada construção europeia gerida, controlada e fabricada unilateralmente pelos diversos governos e Estados.

É isto o que demonstra a elevada abstenção verificada em qualquer País da União Europeia. O exemplo mais marcante, neste momento, do modo como os governos tratam os povos é o que se verfica com o projecto de Constituição Europeia. Nunca nenhum governo falou em Constituinte europeia, nunca nenhum governo se importou com a participação democrática dos povos num processo democrático de definição de uma Constituição Europeia. Esta Europa não é, de facto, nada interessante para os povos europeus, porque é definida e construída à sua margem.

A composição do Parlamento Europeu, mantém também uma clara maioria de deputados (incluindo um número significativo do Grupo dos partidos da Internacional Socialista) que não questiona (até apoia, de facto!) o actual processo de construção europeia claramente anti-social e pró-liberal. O Parlamento Europeu continuará a ser um orgão europeu formalmente eleito mas, na prática, alheado do sentir e da vontade da maioria social europeia.

Nas eleições europeias continuou também a faltar uma alternativa de esquerda com dimensão europeia e com clara expressão social. Todos os grupos parlamentares europeus, mesmo os que se situam à esquerda, são meros somatórios de partidos e grupos nacionais, não tendo capacidade política, organizativa ou mobilizadora à escala europeia.

Todos parecem falar, da mesma maneira, de Europa, sem dizerem que modelo pretendem para a Europa. Incluímos no ultimo número do Tribuna Socialista, um interessante e oportuno artigo de Wilebaldo Solano (ex-dirigente do POUM e actual da Fundación Andreu Nin), no qual era lembrado o papel pioneiro que o Movimento pelos Estados Unidos Socialistas da Europa teve, no pós-guerra, quando se discutia o modelo que se pretendia para a construção europeia. No nossos dias, infelizmente, as esquerdas oscilam entre a abstracção e a reprodução acrítica de modelos ideológicos desfasados no tempo. Faltam ideias claras que mobilizem, falta um modelo que possibilite uma Europa Social em vez de uma Europa alinhada pela globalização liberal e espartilhada por nacionalismos ridículos.

Nacionalismos ridiculos, por exemplo, nos argumentos esgrimidos na discussão em que se envolvem (sómente!) os governos europeus para a escolha (também esta nada democrática!) do Presidente da Comissão Europeia. É claro que é pertinente perguntar se é mais interessante para um trabalhador português apoiar um português de direita ou um espanhol de esquerda? O critério - se fosse possível uma discussão democrática - deveria ser: quem é que defende uma Europa Social e democráticamente participada?

As eleições de 13 de Junho, serviram, isso sim, como momentos importantes para aferir sobre as diversas vontades populares nos planos nacionais. E aqui, é importante verificar que os governos (Portugal, Reino Unido, Itália, como exemplos mais marcantes) que apoiaram a política de guerra de Bush, foram exemplarmente repreendidos e os seus partidos apoiantes implacavelmente derrotados nas urnas.

Em Portugal, os resultados eleitorais (mesmo considerando a abstenção) traduziram uma clamorosa rejeição das políticas anti-sociais e neo-liberais do governo da coligação de direita.

As esquerdas voltaram à maioria e o Partido Socialista conseguiu uma votação histórica. Coloca-se a questão: como traduzir o voto de descontentamento e de rejeição das políticas de direita numa alternativa de governo, de programa e de políticas que volte a colocar a prioridade social e a necessidade da participação democrática na ordem do dia?

Há condições objectivas para se por termo ao governo de Durão Barroso e Paulo Portas. A essas condições, as esquerdas representadas na Assembleia da Republica deveriam acrescentar vontade e capacidade para apresentarem uma alternativa de governo e de maioria parlamentar. Seria, como já temos afirmado, uma solução política nunca dantes tentada em Portugal e que decerto mobilizaria uma maioria social com clara vontade de mudança e de trasnformação social.

As primeiras intervenções dos dirigentes dos partidos parlamentares de esquerda não levam a acalentar que se vá conseguir uma alternativa conjunta.
A direcção do PS reage como que parecendo que obteve uma maioria absoluta, pelo que não precisará da ajuda de mais ninguém, ao mesmo tempo, que se limita ao “cartão amarelo” ao governo dizendo a quem votou que ainda vai ter de esperar mais dois anos de políticas de direita …

A direcção do PCP, como sempre, encontrou na estagnação dos seus resultados, uma “vitória” …

A direcção do Bloco de Esquerda parece ver no aumento do seu resultado eleitoral, um sinal daquele que parece ser o seu “grande objectivo politico” … ultrapassar o PCP em eleições!...

Parece que, finda a campanha eleitoral, todos voltarão aos dias dos monotonos debates parlamentares num contexto de manutenção de uma maioria absoluta de direita que, parece, já não corresponde à actual realidade!

O dia-a-dia do desemprego e das consequências sociais das políticas de direita, continuará até que as direcções das esquerdas ponham de lado os seus “clubismos” e resolvam começar a conversar para uma alternativa ao governo que foi rejeitado nas urnas.

Será que Ferro Rodrigues e a direcção do PS acreditam que Durão Barroso aceitará os seus pedidos para mudar de política? Será que esses apelos de Ferro Rodrigues serão correctos perante a determinação demonstrada por milhares de trabalhadores e de jovens que votaram PS com a intenção clara de acabar com o governo de direita?

O Partido Socialista, como partido maioritário das esquerdas, como principal referência quando se quer barrar o caminho à direita e às suas políticas, não se pode remeter a discussões inconsequentes no Parlamento quando esse Parlamento já não representa o País real e a realidade social do País.

O PS tem de demonstrar coragem e determinação na luta contra uma direita que sofreu a sua “pior derrota” como titulava em primeira página o “Acção Socialista” (o jornal do PS).

Uma outra realidade que os dirigentes do PS não podem ignorar: a vitória nas eleições de 13 de Junho não é a vitória das políticas dos governos Guterres contra as políticas do actual governo de direita. De uma vez por todas, as direcções do PS têm de aprender que políticas de direita concretizadas por um governo de esquerda não são melhores que políticas de direita concretizadas por um governo de direita. São, em ambos os casos, políticas de direita, i.e.anti-sociais, de cedência a lobbies, … , são políticas que não servem aos trabalhadores e a todos os cidadãos que querem uma vida digna com democracia e com liberdades.

Depois de 13 de Junho, a prioridade do PS, como o mais votado, mas também do PCP e do BE, deveria ser dar prioridade à concretização política da vontade de mudança dos 2.000.000 que disseram NÃO ao governo do PSD/CDS e às suas políticas.

A agenda política (usando a linguagem dos politicos que gostam de fazer carreira) das esquerdas deve ser definida em função da realidade social e da sua vontade e não em função de formalismos contraditórios com aquela realidade!

Os votos:
P.S. 1.510.927
PCP / PEV 308.831
B.E. 167.026
PSD / CDS 1.128.660


João P Freire
(a incluir no próximo número, em papel, de TRIBUNA SOCIALISTA)