2003-11-08

Alvaro Cunhal e o Mundo de Hoje

O texto de Álvaro Cunhal saído na edição de 06 de Novembro do Avante, não acrescenta nada de novo ao habitual discurso do PCP.

O que se passa, é que continua a pertencer a Álvaro Cunhal o esforço de reflexão sobre a realidade actual, entre os comunistas portugueses. Álvaro Cunhal aos 90 anos continua a ser um militante comunista que analisa e produz análises colocando-as à discussão. A actual direcção do PCP tem produzido mais medidas de repressão administrativa que documentos para discussão sobre a realidade actual.

No entanto, o texto "O Mundo de Hoje" de Álvaro Cunhal, ao contrário do que alguma imprensa quis ver, não introduz nenhuma alteração ao discurso do PCP, que continua a ser estalinista na sua concepção ideológica e excessivamente preso aos glórios tempos da URSS brejneviana, ou seja, incapaz de se libertar dessa autêntica prisão temporal.

Para se criticar politicamente Álvaro Cunhal, não á preciso lembrar o respeito que este comunista deve merecer por parte de qualquer militante de esquerda. É observando esse respeito que se critica frontal e construtivamente! Uma critica que tem por referência o marxismo e o património histórico do movimento operário e socialista, nacional e internacionalmente considerado.

Tal como Álvaro Cunhal, também somos de opinião que a Revolução russa de 1917 marcou decisivamente o século passado, já que foi o primeiro acto revolucionário de sentido socialista triunfante estabelecendo o poder político das classes anteriormente exploradas.

O triunfo da revolução bolchevique abriu as portas para um processo de transformação socialista na Rússia. Só que Álvaro Cunhal, ao contrário do que estabeleceram os bolcheviques, não fala sobre um aspecto fundamental e estratégico estabelecido por Lenine e Trotsky e que era a ligação do êxito futuro da revolução bolchevique ao êxito dos processos revolucionários nos países europeus mais desenvolvidos. Cunhal volta a revelar uma visão muito nacionalista, estalinista, sobre a construção do socialismo na União Soviética. Fala abstractamente sobre "outras revoluções socialistas vitoriosas" sem dizer quais e onde e acaba por contentar-se por "os trabalhadores em países capitalistas conquistaram importantes direitos.

Com o triunfo da revolução de 1917, os bolcheviques apostaram sempre na Revolução Socialista a nível internacional. Só com o triunfo desta, o êxito estaria assegurado na Rússia. E isso foi o que se viu durante o período da guerra civil na Rússia e com a derrota da revolução alemã! Bem cedo, as condições internacionais de não êxito de outros processos revolucionários condicionou de uma forma decisiva e negativa a evolução do processo revolucionário na Rússia.

Álvaro Cunhal reconhece as "tendências crescentes nos países socialistas, nomeadamente na União Soviética, para a centralização e burocratização do poder e para a estagnação". Mas mais uma vez fala no abstracto. E no abstracto porque fala de países socialistas relativamente a países que não sugiram como consequência da Revolução de 1917, mas como consequência das manobras diplomáticas da União Soviética de Estaline no seu jogo diplomático entre as superpotências saídas do pós-guerra mundial, início da chamada guerra fria. Nesses países socialistas não aconteceram processos revolucionários, mas antes hábeis manobras dos partidos correias-de-transmissão de Estaline e do seu Comintern, não para a instauração de saudáveis democracias operárias, mas para a imposição de regimes caracterizados, logo à nascença, pelo partido único, pela inexistência de direitos democráticos e sociais, autênticos países fortaleza para a protecção dos interesses de Estaline.

No período anterior, durante a guerra civil no Estado Espanhol, também não é falado, nem comentado, nem analisado o papel absolutamente contra-revolucionário e policial que a União Soviética teve, contribuindo de uma forma trágica para o resultado conhecido da guerra civil espanhola.

Falar em "centralização" e em "burocratização" sem reconhecer as causas para o aparecimento desses processos, significa que só se fala por falar, para ficar tudo na mesma quanto ao discurso que se (man)tém.

As três “razões" invocadas por Álvaro Cunhal para o triunfo do capitalismo na segunda metade do século XX - capacidade de desenvolvimento das forças produtivas por parte do capitalismo; grande capacidade financeira, económica, política e militar por parte dos EUA; burocratização e estagnação dos países socialistas - são novamente provas evidentes de que as referências anti-marxistas de Estaline continuam presentes no discurso de Cunhal. Porque razão é que a URSS entrou num processo acelerado de burocratização e estagnação? Será que soube sempre apoiar todos os processos que significassem desenvolvimento da revolução mundial? Porque razão Estaline acabou com a Internacional Comunista, depois de a ter reduzido a uma máquina de correias-de-transmissão? Porque razão a influência da URSS estalinista e brejneviana significou para os processos de libertação nacional no mundo colonial implantação de burocracias totalitárias incapazes de fazer o que quer que fosse? Porque razão é que a URSS brejneviana reduziu a sua acção externa a jogos diplomáticos e de espionagem e contra-espionagem ... onde ficou a visão internacionalista de Lenine?

O Mundo de hoje tem, de facto, grandes potencialidades para o desenvolvimento de uma consciência política internacional de sentido anti-capitalista e socialista. O movimento anti-globalização liberal tem-se desenvolvido de uma forma espontânea perante o qual os partidos comunistas (não falando nos social-democratas!) se limitam a ter uma acção seguidista ... se não quiserem perder, para sempre, o comboio! Porque os Partidos Comunistas limitam-se aos jogos parlamentares, porque deixaram de saber estar no movimento operário respeitando a sua pluralidade, porque a visão que continuam a ter do Mundo é ainda baseada em jogos diplomáticos com uma nostalgia profunda desse colosso burocrático em que se tornou a União Soviética.

Como podem os trabalhadores de todo o Mundo aceitar que países como a China, a Coreia do Norte, o Vietname, o Laos ou Cuba continuam a ter como objectivo a construção da sociedade socialista? Só não se sabendo qual o Mundo de hoje é que se pode fazer uma afirmação destas!
Esses países não são socialistas, são regimes totalitários, burocráticos e policiais. Regimes perante os quais o movimento anti-globalização liberal tem tido também acções de crítica e de denúncia!

Os militantes comunistas, tal como os socialistas, são parte integrante e imprescindível na luta nacional e internacional contra o capitalismo. Nos nossos dias, estão novamente na ordem do dia a necessidade de uma alternativa socialista internacional que saiba coordenar todas as lutas nacionais e internacionais contra a globalização capitalista.

Mas ao contrário de Álvaro Cunhal, é preciso, imperioso, sabermos aprender com aquilo que a História nos ensina. E hoje há força suficiente para se perceber que o socialismo para se afirmar e desenvolver precisa de democracia, como o corpo humano precisa de oxigénio. A crítica ao capitalismo, entendido como um sistema que é também crescentemente totalitário e militarizado, não pode dispensar a crítica ao totalitarismos que se continuam a pintar com cores socialistas.

A repetição de erros passados teria consequências trágicas para toda a Humanidade. Álvaro Cunhal com os seus 90 anos de vida de luta e militância deve saber isto muito melhor que nós!

Alvaro Cunhal e o Mundo de Hoje

O texto de Alvaro Cunhal saído na edição de 06 de Novembro do Avante, não acrescenta nada de novo ao habitual discurso do PCP. O que se passa, é que continua a pertencer a Alvaro Cunhal o esforço de reflexão sobre a realidade actual, entre os comunistas portugueses. Alvaro Cunhal aos 90 anos continua a ser um militante comunista que analisa e produz análises colocando-as à discussão. A actual direcção do PCP tem produzido mais medidas de represssão administrativa que documentos para discussão sobre a realidade actual.

No entanto, o texto "O Mundo de Hoje" de Alvaro Cunhal, ao contrário do que alguma imprensa quis ver, não introduz nenhuma alteração ao discurso do PCP, que continua a ser estalinista na sua concepção ideológica e excessivamente preso aos glórios tempos da URSS brejneviana, ou seja, incapaz de se libertar dessa autêntica prisão temporal.

Para se criticar políticamente Alvaro Cunhal, não é preciso lembrar o respeito que este comunista deve merecer por parte de qualquer militante de esquerda. É observando esse respeito que se critica frontal e construtivamente! Uma critica que tem por referência o marxismo e o património histórico do movimento operário e socialista, nacional e internacionalmente considerado.

Tal como Alvaro Cunhal, também somos de opinião que a Revolução russa de 1917 marcou decisivamente o século passado, já que foi o primeiro acto revolucionário de sentido socialista triunfante "estabelecendo o poder político das classes anteriormente exploradas".

O triunfo da revolução bolchevique abriu as portas para um processo de transformação socialista na Rússia. Só que Alvaro Cunhal, ao contrário do que estabeleceram os bolcheviques, não fala sobre um aspecto fundamental e estratégico estabelecido por Lenine e Trotsky e que era a ligação do êxito futuro da revolução bolchevique ao êxito dos processos revolucionários nos países europeus mais desenvolvidos. Cunhal volta a revelar uma visão muito nacionalista, estalinista, sobre "a construção do socialismo na União Soviética". Fala abstractamente sobre "outras revoluções socialistas vitoriosas" sem dizer quais e onde e acaba por contentar-se por "os trabalhadores em países capitalistas conquistaram importantes direitos".

Com o triunfo da revolução de 1917, os bolcheviques apostaram sempre na Revolução Socialista a nível internacional. Só com o triunfo desta, o êxito estaria assegurado na Rússia. E isso foi o que se viu durante o período da guerra civil na Rússia e com a derrota da revolução alemã! Bem cedo, as condições internacionais de nâo êxito de outros processos revolucionários condicionou de uma forma decisiva e negativa a evolução do processo revolucionário na Rússia.

Alvaro Cunhal reconhece as "tendências crescentes nos países socialistas, nomeadamente na União Soviética, para a centralização e burocratização do poder e para a estagnação". Mas mais uma vez fala no abstracto. E no abstracto porque fala de países socialistas relativamente a países que não sugiram como consequência da Revolução de 1917, mas como consequência das manobras diplomáticas da União Soviética de Estaline no seu jogo diplomático entre as super-potências saídas do pós-guerra mundial, ínicio da chamada guerra fria. Nesses países socialistas não aconteceram processos revolucionários, mas antes hábeis manobras dos partidos correias-de-transmissão de Estaline e do seu Comintern, não para a instauração de saudáveis democracias operárias, mas para a imposição de regimes caracterizados, logo à nascença, pelo partido único, pela inexistência de direitos democráticos e sociais, autênticos países fortaleza para a protecção dos interesses de Estaline.

No período anterior, durante a guerra civil no Estado Espanhol, também não é falado, nem comentado, nem analisado o papel absolutamente contra-revolucionário e policial que a União Soviética teve, contribuindo de uma forma trágica para o resultado conhecido da guerra civil espanhola.

Falar em "centralização" e em "burocratização" sem reconhecer as causas para o aparecimento desses processos, significa que só se fala por falar, para ficar tudo na mesma quanto ao discurso que se (man)tém.

As três "razões" invocadas por Alvaro Cunhal para o triunfo do capitalismo na segunda metade do século XX - capacidade de desenvolvimento das forças produtivas por parte do capitalismo; grande capacidade financeira, económica, política e militar por parte dos EUA; burocratização e estagnação dos países socialistas - são novamente provas evidentes de que os referências anti-marxistas de Estaline continuam presentes no discurso de Cunhal. Porque razão é que a URSS entrou num processo acelerado de burocratização e estagnação? Será que soube sempre apoiar todos os processos que significassem desenvolvimento da revolução mundial? Porque razão Estaline acabou com a Internacional Comunista, depois de a ter reduzido a uma máquina de correias-de-transmissão? Porque razão a influência da URSS estalinista e brejneviana significou para os processos de libertação nacional no mundo colonial implantação de burocracias totalitárias incapazes de fazer o que quer que fosse? Porque razão é que a URSS brejneviana reduziu a sua acção externa a jogos diplomáticos e de espionagem e contra-espionagem ... onde ficou a visão internacionalista de Lenine?

O Mundo de hoje tem, de facto, grandes potencialidades para o desenvolvimento de uma consciência política internacional de sentido anti-capitalista e socialista. O movimento anti-globalização liberal tem-se desenvolvido de uma forma espontânea perante o qual os partidos comunistas (não falando nos social-democratas!) se limitam a ter uma acção seguidista ... se não quiserem perder, para sempre, o comboio! Porque os Partidos Comunistas limitam-se aos jogos parlamentares, porque deixaram de saber estar no movimento operário respeitando a sua pluralidade, porque a visão que continuam a ter do Mundo é ainda baseada em jogos diplomáticos com uma nostalgia profunda desse colosso burocrático em que se tornou a União Soviética.

Como podem os trabalhadores de todo o Mundo aceitar que países como a China, a Coreia do Norte, o Vietname, o Laos ou Cuba continuam a ter como objectivo a construção da sociedade socialista? Só não se sabendo qual o Mundo de hoje é que se pode fazer uma afirmação destas!
Esses países não são socialistas, são regimes totalitários, burocráticos e policiais. Regimes perante os quais o movimento anti-globalização liberal tem tido também acções de crítica e de denúncia!

Os militantes comunistas, tal como os socialistas, são parte integrante e imprescindivel na luta nacional e internacional contra o capitalismo. Nos nossos dias, está novamente na ordem do dia a necessidade de uma alternativa socialista internacional que saiba coordenar todas as lutas nacionais e internacionais contra a globalização capitalista.

Mas ao contrário de Alvaro Cunhal, é preciso, imperioso, sabermos aprender com aquilo que a História nos ensina. E hoje há força suficiente para se perceber que o socialismo para se afirmar e desenvolver precisa de democracia, como o corpo humano precisa de oxigénio. A crítica ao capitalismo, entendido como um sistema que é também crescentemente totalitário e militarizado, não pode dispensar a crítica ao totalitarismos que se continuam a pintar com cores socialistas.

A repetição de erros passados teria consequências trágicas para toda a Humanidade. Alvaro Cunhal com os seus 90 anos de vida de luta e militância deve saber isto muito melhor que nós!

2003-11-05

Partido Socialista: muitas razões para nos preocuparmos todos!

O problema do Partido Socialista não é só do PS. É de todos os partidos que estão fortemente subordinados à lógica parlamentar. O preocupante não é que o PSD e o CDS o estejam. O que preocupa é que os partidos de esquerda que representam as mulheres e os homens que querem mudar de governo, estejam fortemente afectados pela tal lógica parlamentar que faz lembrar uma doença do futebol a que se poderia chamar de "clubite aguda"!

Discutem-se pessoas, discutem-se aritméticas do voto, milita-se nos bastidores da Assembleia da Republica mas ... o chamado "país real", o mundo das empresas que fecham despejando no desemprego milhares de pessoas, o mundo da Saúde Pública que cada vez se tem menos porque estamos nos tempos da "ditadura orçamental", o mundo do crescente número dos excluídos sociais ... este mundo é cada vez mais esquecido e só lembrado no ritual eleitoral que a democracia formal e do liberalismo oferece de quatro em quatro anos...

A mudança de governo implica a existência de capacidade política para se definir e criar uma ALTERNATIVA DE ESQUERDA. E esta alternativa não se constrói nos corredores do Parlamento. Esta alternativa precisa do apoio, da mobilização e da participação daqueles que fazem o chamado país real.

A alternativa de esquerda não é só o PS ou só o PCP ou só o Bloco de Esquerda. É uma alternativa que precisa desses partidos e principalmente das mulheres e dos homens que querem a mudança.

O que se passa no Partido Socialista quanto à crise de liderança é muito preocupante. Porque o que se passa não é uma crise de liderança, mas uma profunda crise de programa e de políticas!

À fúria destruidora liberal do governo Barroso & Portas, o PS tem oferecido um enorme vazio de ideias e uma confrangedora incapacidade de intervenção para a mobilização social. Parece que a direcção do PS (TODA e não só o secretário geral!!) tem medo de se assumir como alternativa. Pese embora as palavras, porque o que conta, nestas ocasiões, é mais o poder que a prática política tem para convencer as pessoas!

Fala-se em João Soares, em Sócrates, em Carrilho ... lançam-se nomes e mais nomes, mas faltam as políticas e os programas.

Até parece que os militantes socialistas só servem para comer o que lhes é impingido!...

Mais uma vez lançamos a questão: SERÁ QUE OS MILITANTES DO PS NÃO TÊM DIREITO A DECIDIR?

2003-11-04

OUTRA VISÃO SOBRE A REVOLUÇÃO DE 1917!

Texto enviado por MANUEL BAPTISTA, da Assembleia Anti-Capitalista e do Colectivo A BATALHA.

Todos os contributos para o debate numa perspectiva socialista, são estimulantes!

Olá João Pedro Freire e restantes companheir@s
da Assembleia Anti-capitalista,

Li com atenção o artigo abaixo do "Tribuna Socialista".
Estou de acordo que a Revolução russa de 1917 foi
muito importante.
[Ela incluiu, poucas pessoas sabem isso, destacamentos
anarquistas no assalto ao Palácio de Inverno.]
Muitas pessoas, mercê da reescrita da história feita
pelos vencedores, pensam que foi uma revolução bolchevique.
Não há dúvida que participaram nela muitas correntes
que se agrupavam nos então legais soviets, os quais desde
Fevereiro, tinham surgido à luz do dia e funcionavam como
um misto de sindicatos, de clubes revolucionários e de
assembleias comunais.
Lenine teve a esperteza de reunir o grosso do proletariado
mais combativo por de trás do slogan "Todo o poder aos
sovietes". Tinham os bolcheviques a inteligência para perceberem
que se não tivessem como principais bandeiras o fim da guerra e
a
reivindicação da terra a quem a trabalhava, ou seja aos
camponeses
pobres, não teriam qualquer hipótese de serem bem sucedidos.
Infelizmente, uma vez tomado o poder, logo decidiram liquidar
qualquer veleidade de organização autónoma (incluindo os
soviets),
fecharam a assembleia constituinte e transformando os próprios
sovietes, esse embrião de democracia proletária, numa farsa...
Em Portugal, como em muitos outros países, o proletariado e os
sindicalistas viram com extrema simpatia os acontecimentos de
Outubro de 1917, mas a partir de determinada altura, os
sindicalistas perceberam que o regime instaurado era uma férea
ditadura burocrática, que não hesitava em eliminar, assassinando
ou pondo na prisão vários revolucionários (anarquistas e
socialistas revolucionários, nomeadamente), que fechavam todos
os órgãos de imprensa não subodinados ao poder bolchevique, que
perseguiam o movimento das comunas anarquistas insurrectas da
Ucrânia (Machnovichina) que se tinha batido contra os
nacionalistas, contra os invasores alemães, contra os exércitos
russos-brancos e, por fim, o massacre do soviet de Kronstadt (um
dos locais de onde partiu a revolução de Outubro; ver o filme de
Eisenstein "O Couraçado Potemkine"): Os anarquistas e
anarco-sindicalistas convidados por Lenine para as reuniões da
IIIª Internacional, viram com os seus próprios olhos a
burocratização galopante do novo poder, a sua ausência total de
escrúpulos em esmagar de forma violenta tudo o que não fosse
bolchevique. Isso determinou a recusa dos sindicatos
anarco-sindicalistas de se juntarem à "Internacional Sindical
Vermelha", um ramo da IIIª Internacional. Os
anarco-sindicalistas, reunidos em Dezembro de 22, Janeiro de 23,
em Berlim, fizeram a reproclamação da AIT (A Iª Internacional).
Entre eles, os portugueses da CGT, que na altura contava com
mais de 60 000 associados e mais de uma centena de sindicatos.
Os sindicalistas que entretanto tinham fundado partidos
comunistas, começaram a organizar fracções, por ordem da IIIª
Internacional, dentro dos sindicatos. Assim uma meia dúzia de
sindicatos da CGT rompeu com esta e criou aquilo que (já na
altura) foi designado como "Intersindical" (meia dúzia de
sindicatos controlados por elementos do recém formado PCP).
Essa acção divisionista também ocorreu noutros países.
O vanguardismo, dogmatismo e idolatria do poder não podem ser
atribuídos exclusivamente a uma qualquer "monstruosidade" do
sucessor de lenine, Estaline, sob pena de se escamotear a
verdade histórica.
Na verdade, todo o aparelho do partido bolchevique se inspira na
hierarquia militar, com uma organização piramidal. Assim, o
regime dito "sovietico", na verdade a ditadura do partido
bolchevique, poderia ter sido um pouco mais "branda" ou não mas
não poderia dar noutra coisa.
A lição que se pode tirar hoje é que não podemos sonhar em
instaurar um socialismo verdadeiro usando métodos que se
traduzem em opressão, repressão, tomada do poder, "conversão" da
máquina do estado ao serviço do capitalismo privado, numa
máquina ao serviço do capitalismo de estado.
Temos de aprender com a história, ver que não há "verdade
científica" em política ou em sociologia (eu acho mesmo que a
própria economia está muito longe de ter um estatuto de
verdadeira ciência), o que não retira nenhuma legitimidade ética
ao socialismo, construindo colectivamente uma sociedade que se
reja pelo máximo de liberdade, de igualdade e fraternidade, o
que apenas é possível com a expropriação dos possidentes, dos
poderosos. Tão-pouco é possível construir um "estado
proletário", na realidade, constroí-se uma imensa máquina
burocrática, que faz funcionar um regime económico e político
despótico, o capitalismo de estado.
Muitas são as vias abertas para o socialismo no século XXI:
é necessário que os socialistas sinceros (uso o termo socialista
no sentido mais lato, incluindo nele os libertários) deixem de
viver apegados a esquemas mentais do século XIX ou XX, que
tenham a coragem de defender -até ao fim e com coerência entre
as palavras e a prática- os princípios socialistas.
Manuel Baptista

2003-11-03

OLHAR PARA A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 SITUANDO-NOS NO SÉC. XXI

A Revolução Russa de 1917 é um tema que continua polémico no seio das esquerdas nos planos internacional e nacional.

São poucas as tendências e poucos os militantes que aceitam um debate aberto e sem preconceitos de qualquer espécie. Um debate que olhe a Revolução Russa de 1917 com olhos de quem está, neste século XXI, perante uma clara globalização capitalista e com um movimento popular que se lhe opõe que se pode considerar como sem precedentes na História.

Coincidindo com mais um aniversário sobre essa grande Revolução, decorrerá mais um Fórum Social Europeu, em Paris, entre 12 e 16 de Novembro.

Separados por quase um século de distância, os dois acontecimentos motivam uma questão: como teria evoluído o processo revolucionário iniciado em 1917 se, nessa época, existisse um movimento mundial como o Fórum Social Mundial? Ou como se comportaria o FSM se hoje se desencadeasse um processo revolucionário com as mesmas características que aquele que foi iniciado pelo partido de Lenine e de Trotsky?

A Revolução Bolchevique é um dos acontecimentos mais importantes ocorridos no século XX. Pela primeira vez na História, uma revolução de sentido claramente socialista venceu. Uma conquista que os principais dirigentes do Partido dos Bolcheviques fizeram questão de associar a todo o proletariado mundial. O destino do proletariado mundial faria depender o destino da revolução russa!

Ligado ou não ao destino do proletariado mundial, o certo é que a revolução russa de 1917 veio a evoluir para uma das formas mais monstruosas de totalitarismo burocrático e policial. A imagem desse totalitarismo é José Estaline. A Estaline fica ligado o processo de deformação da revolução russa e também a conivência activa nas derrotas de diversos processos revolucionários, de que são exemplos mais conhecidos, Espanha e a Alemanha.

Importa por isto, analisar, debater e concluir sobre as origens desse processo de deformação totalitária e burocrática. Como começou e porquê? Como poderia ter sido evitado nos nossos dias?

Mas como revolução triunfante de sentido socialista, o debate também deve passar pelo processo que conduziu ao triunfo do partido bolchevique. Como estava organizado e, sobretudo, qual a ligação ao movimento dos trabalhadores e qual a sua representatividade. Sendo certo que a questão da representatividade não tem de ser aferida, segundo critérios baseados nas democracias ocidentais, tal como as conhecemos. Afinal qual a verdadeira representatividade de forças políticas integradas em sistemas que têm gerado crescente abstencionismo eleitoral depois de terem contribuído para que a decisão política seja, cada vez mais, privilégio de uns quantos.

O que possibilitou o triunfo da Revolução de 1917 contra um regime parlamentar (de Kerensky) que nada de nada resolvia (pese embora a lógica parlamentar que “legitimava” esse regime!) por comparação com as revoltas populares na Argentina ou na Bolívia que acabam por ser absorvidas e integradas pelos e nos regimes que contestavam?

Por si só as massas trabalhadoras e populares podem conduzir com êxito um dado processo revolucionário? Ou será que, em cada momento desse processo revolucionário, faz falta uma direcção revolucionária que consiga dar um sentido à espontaneidade do movimento popular? Mas será que essa direcção revolucionária se pode reduzir ao “partido revolucionário” ou antes tem a ver com formas de organização e de coordenação nas quais convergem partidos, sindicatos, organizações de base e militantes revolucionários?

O movimento internacional anti-globalização capitalista é um movimento tão plural quanto política e ideologicamente difuso. É um movimento que contesta, opõe-se, mas é incapaz de se afirmar por qualquer coisa, para além da oposição ao capitalismo, também esta altamente confusa. Não é um movimento revolucionário, nem sequer um movimento que conseguiria sobreviver a uma situação revolucionária. No entanto, é um movimento extremamente importante na formação de uma consciência anti-capitalista, nacional e internacionalmente.

Um movimento deste tipo, teria sido de uma importância decisiva para o apoio à Revolução Russa ou às Revoluções Alemã ou no Estado Espanhol. Muito mais importante e decisivo que o papel contra-revolucionário e adaptado aos jogos diplomáticos que interessavam, na altura, à burocracia estalinista e à sua correia-de-transmissão em que se tornou a III Internacional.

Na era da globalização capitalista, a definição de uma alternativa anti-capitalista tem de ter uma forma e um conteúdo que seja percebido e capaz de mobilizar de um modo afirmativo. Mais do que “um outro Mundo é possível” ou que estamos todos por um “Mundo melhor”, mais do que estas abstracções que conseguem unir capitalistas e anti-capitalistas, embora nunca os unindo (!!), é explicar o Socialismo como a única alternativa que nunca antes foi realizada, já que necessita da dimensão internacional para o conseguir!

O Socialismo numa perspectiva libertária, democrática e revolucionária que o diferencie das aberrações históricas acontecidas e o faça retornar ao seu programa original. O Socialismo que em cada momento reafirme que a democracia é tão necessária ao seu desenvolvimento e afirmação, como o oxigénio o é para o corpo humano!

A Revolução de 1917 foi libertária, democrática e revolucionária. Nunca como nesse momento, as massas trabalhadoras e cada militante revolucionário teve tanta liberdade e capacidade para afirmar a sua iniciativa criadora de algo alternativo. Bolcheviques, socialistas revolucionários, anarquistas ... fizeram a revolução triunfar!

Será que a manutenção deste ambiente de convivência revolucionária na diversidade não teria dado maior capacidade à nova sociedade soviética para resistir simultaneamente às ameaças imperialistas externas e às ameaças totalitárias e burocráticas internas?

A alternativa socialista à globalização capitalista precisa, hoje mais do que nunca, de uma organização internacional que saiba coordenar e dar afirmação política ao movimento anti-globalização capitalista. É também uma organização vital para organização o apoio a movimentos populares que se afirmam em situações revolucionárias como as que aconteceram recentemente na Argentina ou na Bolívia.

Sem essa organização internacional é impensável o êxito de uma alternativa à globalização liberal. A não ser que se pretenda, como a “Internacional Socialista”, que surja uma “alternativa” do diálogo entre Porto Alegre e Davos....

Mas essa organização socialista internacional não pode ser a cópia das Internacionais que falharam e continuam a falhar, como a I, a II, a III , a IV e até a II e ½...

Essa organização deve partir da capacidade de unidade na diversidade entre tendências e correntes socialistas que rejeitem o reformismo, o esquerdismo, o autoritarismo e qualquer forma de totalitarismos.

Estas são algumas interrogações e reflexões para tentar compreender Outubro de 1917 com olhos de que sem vê e sente a necessidade de uma alternativa socialista libertária, democrática e revolucionária à globalização liberal-capitalista dos nossos dias deste século XXI!