2004-02-14

LAICA : uma outra perspectiva ...

Manuel Baptista, professor, membro do colectivo A BATALHA e do forum ASSEMBLEIAS ANTI-CAPITALISTAS, reagiu assim ao texto LAICA, de Pedro Albuquerque do blog DIAS INSERTOS.

Eis a posição de Manuel Baptista:
"Assim como o autor deste texto fala de ironia, eu poderia falar de perplexidade ou mesmo de indignação.
Perplexidade, porque uma grande parte da esquerda, incluindo uma parte da esquerda anti-autoritária se alinha com a tal proibição dos símbolos religiosos nas escolas. Indignação, porque penso que isto não é nunca um caminho para resolver o problema do fundamentalismo religioso, mas antes uma forma perversa de dar azo às atitudes segregacionistas mais opressoras.
Os integristas mussulmanos dirão: a minha filha não pode usar o lenço, então não irá frequentar a escola pública, mas sim um colégio integrista onde todas as adolescentes aprenderão segundo o Corão... Os integristas católicos dirão: é contra a religião católica obrigar uma pessoa a esconder um crucifixo ou uma medalha religiosa, cada vez que entra num estabelecimento público de ensino. Logo os meus filhos devem antes frequentar uma escola católica onde podem exprimir a sua crença sem receio.

As pessoas defensoras de um laicismo verdadeiro, deveriam antes lutar para que os filhos e filhas de todos os fanáticos pudessem usufruir de uma educação na escola pública, sem que os seus encarregados de educação tivessem qualquer pretexto para segregar as suas crianças do convívio de crianças de outras tradições ou credos religiosos ou culturas.

Em Portugal, o combate por uma escola laica passa por uma verdadeira neutralidade do Estado em relação ao ensino de
religião: o ensino da religião pode perfeitamente ter lugar fora da escola pública; a existência da disciplina de "Religião e Moral" (seja católica ou de outra confissão) é uma situação de claro privilégio às confissões religiosas (com evidente benefício, na prática, à confissão católica, aliás).

Quanto à exibição de símbolos: em geral, é uma atitude que pode eventualmente ser assumida como uma afirmação da personalidade de uma pessoa... mas há sérios problemas a considerar:
1- Seria aceite alunos irem com muitos e ostensivos badges com cruzes gamadas e outros símbolos nazis e fascistas? E foices e martelos e outros símbolos comunistas? E "A" circulados e outros símbolos anarquistas? etc... Admitindo que sim, que se aceitasse isso: não seria ocasião para que houvesse uma troca frequente de insultos ideologicamente motivados, que poderia facilmente degenerar em violência física?
2- Seria aceite que docentes se apresentassem com tais sinais distintivos de religião ou de ideologias? não sei como seria aceite, quer pelas famílias quer pelos colegas, sinais de outros credos religiosos ou de ideologias. Talvez isso levantasse imensos problemas.

Eu acho que não seria lícito eu me apresentar na escola, a dar aulas, com sinais evidentes e ostensivos de minhas crenças (como por exemplo, uma t-shirt com inscrições alusivas à minha convicção política) porque isso seria visto como a imposição de propaganda num sítio (a escola) que deve permanecer neutro: nessa medida, acharia lógico que se proibisse a docentes e/ou funcionários da instituição pública usarem estes símbolos religiosos ou ideológicos... mas não se deveria impor tal proibição quer a alunos quer a outras pessoas que se dirigissem à Escola (encarregados de educação, por exemplo). Os elementos que estão ao serviço da instituição laica devem evitar quaisquer simbologias que afirmem de forma ostensiva a sua pertença a determinada religião ou ideologia; porém, os alunos não devem ser sujeitos a essa restricção
."

LAICA

"LAICA " é uma posta dos DIAS INSERTOS do Pedro Albuquerque (http://dias-insertos.blogspot.com/) que aborda a recente proibição de uso de símbolos religiosos nas escolas públicas francesas. Uma medida proibicionista que nada resolve, antes exibe novamente as soluções do liberalismo para abordar questões de liberdade e de direito à diferença na globalização dos nossos dias. O blog do Pedro é um dos nossos links!

A ironia assola o meu pensamento. O título não trata da cadela que se celebrizou ainda eu não era nascido. A França aprovou hoje, por uma esmagadora maioria, a proibição do uso de símbolos religiosos nas escolas públicas (?). Tendo como motivo um véu que se tornava insuportável, a França enterra de uma só vez os seus ideais de há muito, cunhados na moeda antiga como forma de os tornar sempre presente: Liberdade, Fraternidade e Igualdade.
De uma penada retira a liberdade de exibir símbolos, a possibilidade da sua partilha fraterna e o direito à igualdade na possibilidade de os usarmos. Hoje foram os religiosos, a seguir serão os ideológicos, e depois os que ainda restarem. Até a escola já não o ser. Assim haja maiorias.

2004-02-11

GESTORES & EMPRESÁRIOS PROPÕEM MAIS LIBERALISMO PARA A CRISE DO ... LIBERALISMO!!

LIBERALIZAÇÃO DOS DESPEDIMENTOS, PROTECIONISMO E CORTES NO INVESTIMENTO PÚBLICO:
A MESMA FALTA DE IMAGINAÇÃO DO LIBERALISMO NACIONAL!

Empresários e gestores reunidos no Convento do Beato pretendiam descobrir a fórmula mágica para desenvolver Portugal, mas acabaram por recuperar velhas receitas do liberalismo mais caduco. Receitas que já provaram que não levam a nada, a avaliar pelos locais onde já foram aplicadas por esse Mundo fora. Por estas e por outras é que as receitas políticas da burguesia nacional e as soluções económicas do liberalismo só são solução para uma coisa: agravar ainda mais a crise económica, política e social!

Falaram em aumento da concorrência, em aumento da onda privatizadora, em liberalização dos despedimentos, mas, como era de esperar, demonstraram que não sabem onde se situa a realidade social e quais as consequências que as fórmulas avançadas teriam para o agravamento das condições sociais e de vida dos trabalhadores.

Discutiu-se, o que é espantoso e demonstrativo da orientação política desses empresários e gestores, a necessidade dos patrões unificarem as diversas associações patronais existentes! É a isto que estes empresários & gestores reduzem o problema da liderança ...

Não se esperaria que os patrões portugueses apelassem à participação dos trabalhadores na procura de uma solução para os problemas nacionais, mas a falta de soluções e a incapacidade para se descobrirem novas soluções é o que mais chama a atenção nas conclusões deste encontro apelidado de “Compromisso Portugal”.

Não há mesmo qualquer solução dentro dos limites do liberalismo e do capitalismo! Esta é a conclusão que os trabalhadores e as suas organizações deveriam tirar. Uma conclusão que deveria reforçar, do lado dos partidos de esquerda, a necessidade e a urgência da definição de uma alternativa de esquerda com programa e políticas que apontassem a necessidade da transformação democrática e socialista da sociedade.

A solução para os problemas nacionais passa sobretudo pela participação democrática dos cidadãos e dos trabalhadores a todos os níveis da sociedade. Nomeadamente nas empresas privadas, onde a participação dos trabalhadores é nula ou então reduzida a encenações...

Essa participação democrática tem vindo a rarear à medida que nos vamos afastando, nos anos, do 25 de Abril e à medida que o governo de direita vai aplicando as suas políticas anti-sociais. O apelo destes gestores & empresários mais não faz que reforçar e apelar a esse deficit de participação democrática.

Apelam também à concorrência e não têm qualquer problema em propor a liberalização dos despedimentos ... aliás, concorrência e despedimentos surgem de mãos dadas! Como já todos sabíamos! O fecho de empresas fruto da deslocalização, tem a ver com quê? E o resultado é mais desenvolvimento? É mais estabilidade social?

O que estes senhores fazem é também propor uma espécie de quadratura do circulo em época de globalização liberal. Como é que conseguiriam aplicar medidas proteccionistas como forma de protegerem a concorrência nacional?
O apelo deste chamado “Compromisso Portugal” é feito por entidades que se revelam muito conservadoras nas empresas que dirigem. Vieram da banca, das telecomunicações, da indústria ... Do lado dos trabalhadores, ninguém!! Elucidativo! É que nessas empresas, a participação dos trabalhadores na gestão das empresas ... nem pensar!!!

As conclusões reflectem, repetimos, uma incapacidade total da burguesia portuguesa para propor qualquer solução credível para o desenvolvimento de Portugal.

Muito mais propôs-se recentemente no Congresso da CGTP e muito mais se fez, quanto a avanço no sentido da mobilização da sociedade portuguesa, na recente jornada de luta da Adminstração Pública!

2004-02-10

Anton Pannekoek: um socialista esquecido!

Extraímos de http://www.terravista.pt/IlhadoMel/1188/Anton_pannekoek.htm , GRUPO COMUNISTA DE CONSELHOS, um texto de ANTON PANNEKOEK, na nossa opinião um socialista esquecido pelas correntes dominantes nas esquerdas.

QUEM FOI PANNEKOEK?

Nasce em 1873 nos Países Baixos. Astrónomo de reputação mundial. Entra para o Partido Social-Democrata Holandês em 1902. Participa com Hermann Gorter na redacção do órgão teórico deste partido Nieuwe Tijd. Fixa-se na Alemanha em 1905, onde ensina nas escolas do Partido Social-Democrata. Em 1909 vai para Bremen, onde participa na luta fraccionária contra o aparelho do S.P.D. Polémica contra Kautsky em 1912. Membro da esquerda zimmervaldiana. Co-fundador do P.C. holandês em 1918. Rompe com a I. C. com base no apoio aos movimentos dos conselhos contra o aparelho dos partidos. As suas ideias têm certa influência sobre o movimento revolucionário da época. Até á sua morte (1960) foi o principal teórico dos conselhos operários.

SELECIONAMOS O SEGUINTE TEXTO. UM TEXTO PARA SER ANALISADO E DEBATIDO.

SEGUNDA CARTA DE ANTON PANNEKOEK

Caro Camarada Chaulieu,

Foi com imenso prazer que constatei que tinham publicado na vossa revista Socialisme ou Barbarie uma tradução da minha carta, com anotações críticas, de modo a possibilitar aos vossos leitores a participação numa discussão de questões fundamentais. Como exprimem o desejo de continuar a discussão envio-vos algumas considerações sobre a vossa resposta. Naturalmente algumas divergências de opinião podem aparecer com mais clareza na discussão. Tais divergências são normalmente resultado de uma apreciação diferente do que se considera como pontos mais importantes, o que por sua vez está relacionado com a nossa experiência prática ou com o meio em que nos encontramos inseridos. Para mim foi o estudo das greves políticas na Bélgica (1893), na Rússia (1905 e 1917), na Alemanha (1918 a 1919), estudo por meio do qual tento chegar a uma clara compreensão do carácter fundamental de tais acções. O vosso grupo vive e trabalha no meio de agitação de classe dos operários de uma grande cidade industrial. Por consequência, a vossa atenção concentra-se completamente num problema prático: como se podem desenvolver métodos de luta eficazes para além da luta ineficaz dos partidos e das greves parciais de hoje em dia.

Evidentemente que não pretendo que as acções revolucionárias da classe operária se desenvolvam todas numa atmosfera de calma discussão. O que pretendo é que o resultado da luta frequentemente violenta, não é determinado por circunstâncias acidentais, mas sim pelo que é vivo no pensamento dos operários como base de uma consciência sólida adquirida pela experiência, pelo estudo ou pelas suas discussões. A decisão do pessoal de uma fábrica de entrar em greve não pode ser tomada dando murros na mesa, mas normalmente pela discussão.

Vocês põem o problema de uma maneira inteiramente prática: que faria o partido se tivesse 45% dos votos dos membros do Conselho e se esperasse que um outro partido (neo-estalinista que se esforçasse para conquistar o regime) tentasse apoderar-se do poder pela força? A vossa resposta é: deveríamos ultrapassá-lo fazendo nós o que tememos que ele faça. Qual será o resultado definitivo de tal acção? Reparem no que se passou na Rússia. Lá havia um partido, de bons princípios revolucionários influenciados pelo marxismo e, para mais, seguro de apoio dos Conselhos já formados pelos operários. No entanto foi obrigado a apoderar-se do poder, e o resultado foi o estalinismo totalitário (Quando digo "foi obrigado" quero dizer que as circunstâncias não estavam suficientemente maduras para uma revolução proletária. No mundo ocidental, onde o capitalismo está mais desenvolvido, as circunstâncias estão certamente mais maduras: a medida é dada pelo desenvolvimento da luta da classe). Devemos, portanto, pôr a pergunta: A luta do partido, tal como vocês a põem, poderá salvar a revolução proletária? Parece-me que seria antes um passo para uma nova opressão.

Claro que haverá sempre dificuldades. Se a situação francesa ou mundial exigissem em massa dos operários, os partidos comunistas tentariam, imediatamente, transformar a acção numa demonstração pró-russa no quadro do partido. É preciso lutar energicamente contra estes partidos. Mas não os podemos bater utilizando os seus métodos. Isso só será possível com os nossos próprios métodos. A verdadeira forma de acção de uma classe em luta é: a força dos argumentos, baseada no princípio fundamental da autonomia das decisões! Os operários não se podem precaver contra a opressão vinda do partido comunista senão desenvolvendo e reforçando o seu próprio poder de classe, o que quer dizer a sua vontade unânime de tomar sob o seu controle os meios de produção e de os gerir.

A principal condição para a conquista da liberdade da classe operária é que seja enraizada na consciência das massas a concepção do auto-governo e da auto-gestão do aparelho de produção. Isto está, em certa medida, de acordo com o que escreve Jaurés sobre a Constituinte, na sua História Socialista da Revolução Francesa:

" Esta assembleia nova, acabada de reunir, discutindo assuntos políticos, sabia frustrar todas as manobras da Corte. Porquê? Porque possuía algumas grandes ideias, longa e seriamente amadurecidas que lhe davam um panorama claro da situação." (traduzido do holandês)

Claro que os dois casos não são idênticos. Em vez das grandes ideias políticas da revolução francesa trata-se das grandes ideias sociais dos trabalhadores, isto é: a gestão da produção por uma cooperação organizada. Em vez de 500 deputados seguros das suas ideias abstractas, adquiridas pelo estudo, os trabalhadores serão milhões guiados pela experiência de toda uma vida de exploração no trabalho produtivo. Eis porque vejo assim as coisas.

A tarefa mais nobre e mais útil de um partido revolucionário é a de, por meio da sua propaganda em mil pequenos jornais, brochuras, etc., enriquecer o conhecimento das massas no processo de uma consciência cada vez mais clara e mais vasta.

Agora algumas palavras sobre o carácter da revolução russa.

A tradução da expressão inglesa "middle class revolution" por revolução burguesa não exprime perfeitamente o seu significado. Em Inglaterra quando a dita classe média tomou o poder era formada, em grande parte, por pequenos capitalistas ou homens de negócios proprietários do aparelho industrial de produção. A luta de classes era necessária para arrancar a aristocracia do poder, mas, não obstante, esta massa não era ainda capaz de se apoderar por si própria do aparelho de produção. Num capitalismo tão desenvolvido, os operários só podem esperar a capacidade moral, espiritual e de organização através da luta de classes. Na Rússia a burguesia não era importante. A consequência foi que da vanguarda da revolução iria nascer uma nova "classe média" como dirigente do trabalho produtivo, gerindo o aparelho de produção, e não como um conjunto de proprietários individuais possuindo cada um uma certa parte do aparelho de produção, mas como proprietários do aparelho de produção na sua totalidade.

Em geral pode-se dizer: se as massas trabalhadoras (dado que são produto das condições pré-capitalistas) não são capazes de tomar a produção nas suas próprias mãos, então inevitavelmente, uma nova classe dirigente tornar-se-á senhora da produção. É esta concordância que me fazia dizer que a revolução russa (no seu carácter essencial e permanente) era uma revolução era uma revolução burguesa. Claro que o poder de massas do proletariado era necessário para destruir o poder do anterior regime (e foi por isso uma lição para o os trabalhadores do mundo inteiro). Mas uma revolução social só pode obter o que corresponde ao carácter das classes revolucionárias, e se o maior radicalismo possível era necessário para vencer todas as resistências, mais tarde tornava-se necessário voltar atrás.

Isto parece ser regra geral em todas as revoluções até hoje.

Até 1793 a revolução francesa tornou-se cada vez mais radical até que os camponeses se tornaram definitivamente donos da terra, e os exércitos estrangeiros foram repelidos. Nessa altura os jacobinos foram massacrados e o capitalismo faz a sua entrada como novo patrão. Vendo as coisas assim, o curso da revolução russa foi o mesmo das revoluções precedentes que derrotaram o poder na Inglaterra, na França e na Alemanha. A revolução russa não foi de modo algum uma revolução proletária prematura. A revolução proletária pertence ao futuro.

Espero sinceramente que esta explicação, se bem que não elementos novos, possa ajudar a clarificar algumas divergências nos nossos pontos de vista.

Saudações fraternais

Vosso

Ant. PANNEKOEK